terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Uma pena

Não vi o Oscar este ano. Não tenho TNT em casa. Acompanhei a premiação pela internet, no blog da Ana Maria Bahiana, enquanto assistia ao desfile das escolas de samba na televisão.
Dos cinco concorrentes ao prêmio de Melhor Filme, eu só vi Quem Quer Ser um Milionário? e O Curioso Caso de Benjamin Button. Os outros três ainda não chegaram aos cinemas de Ribeirão Preto. Eu também não sei se os verei um dia. Muita preguiça e desinteresse. Benjamin Button me deu sono, muito sono. O filme não decola. Não consegui desassociá-lo de Titanic. Aquela velha lembrando a história, as metáforas pobres, o roteiro sofrível. Deu até para rir na cena do relógio sendo atingido pela enchente causada pelo Katrina, no final. Lembrei do navio afundando. Também não consegui entender a indicação do Brad Pitt para o Oscar de Melhor Ator.
Quem Quer Ser um Milionário? é um daqueles mistérios que ninguém explica. De tão tosco, o filme ofende. É uma espécie de Cidade de Deus, mas (bem) piorado. Piegas. O triste é pensar que - em tese - a consagração do filme pelo Oscar o dignifica a representar o que houve de melhor nas telas no ano passado.
Em artigo na Folha, o João Pereira Coutinho disse que “o Oscar deste ano confirma (...) que a moderna ficção televisiva substituiu há muito, em inventividade e desafio, o papel visual e narrativo que o cinema teve durante um século”. Brilhante.
As coisas no cinema andam muito triviais.
É uma pena, uma grande pena.
*Na imagem, Penélope Cruz e o abraço mais doce da noite, direto do blog da Ana Maria Bahiana.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Homens grandes com camisetas pequenas

Eu não conhecia Zane Lowe até há poucos minutos. Mas já não gosto dele.

Em um primeiro momento, tudo o que eu soube sobre Zane é que ele é um cara pretensioso, usa óculos pretos de aros largos e se esforça bastante para parecer amigo de infância do Franz Ferdinand. Agora, eu também sei que ele é VJ da MTV britânica e DJ da BBC Radio One. E nem assim ele me pareceu alguém melhor.

Descobri o apresentador graças ao Zane Meets Franz Ferdinand, que a MTV brasileira acabou de exibir. No programa, Zane conversa com Alex Kapranos e Nick McCarthy, da banda escocesa.

O Franz Ferdinand é uma boa banda. Muito boa, na verdade. Ao lado dos Strokes e do White Stripes, é uma das melhores surgidas nesta década. E é também com essas duas que eles figuram entre as bandas mais bem vestidas de todos os tempos.

A primeira música que ouvi do Franz Ferdinand foi Take Me Out. Em 2004, acho. Dois anos depois, vi um show deles no Brasil. Na verdade a banda veio abrir para o U2, no Morumbi, mas eu fui ao show mesmo foi para ver os caras, que haviam acabado de lançar seu segundo disco.

Foi uma frustração. Tocando meia dúzia de músicas no volume mínimo, eles não conseguiram fazer mais barulho que o bando de gente estranha que esperava pela atração principal da noite. Com a banda ocupando um espaço minúsculo na frente do palco, e com as luzes do estádio todas acesas, a única coisa de que me lembro bem do show é de um grupo de moleques bêbados com coroas de cartolina do Burger King pulando sem parar e cantando Do You Want To no meio da pista.

Alguns meses mais tarde, eles voltaram ao país como atração principal de um festival. Eu não fui. Antes de um show no Rio de Janeiro, dessa segunda vez, Kapranos, dizem, foi a uma pizzaria em Copacabana e pediu uma especial, fora do cardápio, com espinafre, azeitonas, salame e um ovo por cima.

O vocalista com o sotaque mais sensacional do novo rock é também gourmet e já assinou uma coluna sobre o assunto no The Guardian. Os textos inspiraram o livro Mordidas Sonoras (Conrad), onde ele narra aventuras gastronômicas enquanto dá duas voltas e meia ao redor do planeta excursionando com sua banda. Há um capítulo inteiro dedicado a uma experiência em um rodízio de carnes no Rio.

Voltando ao irritante Zane Lowe, meu novo adversário número um, com exceção dos vários trechos de clipes exibidos da banda, Zane Meets Franz Ferdinand teve um único momento bom: o Desafio do Queijo. Pelo que notei, o quadro, em que a banda convidada precisa falar o maior número possível de nomes de queijo em 20 segundos, é fixo. Não me lembro qual é o artista recordista, mas parece que ele apontou 19 nomes. O Franz Ferdinand falou 11.

Ainda não ouvi o novo álbum dos caras, Tonight: Franz Ferdinand. No programa do Zane, vi o clipe de Ulysses, o primeiro single do disco. A música é boa. Muito boa, na verdade. Um transe. O vídeo é lisérgico. E incrível. É ótima a parte em a banda aparece tocando e pulando sobre camas de um quarto de hotel. E também quando o baterista Paul Thomson bate com as suas baquetas na parede. E as cenas na lavanderia.

São legais, ainda, os ternos pretos com faixas brancas nas beiradas que os músicos vestem no clipe. E também os passos de dança que eles fazem enquanto cantam sobre o tal Ulysses, pedindo mais intensidade.

No restante do programa, entre um devaneio e outro, o figura do Zane só ficou disparando citações e lembrando histórias da banda da maneira mais arrogante possível. No melhor jeito Xuxa de entrevistar alguém, fez de tudo para afirmar sua intimidade com os caras e não poupou elogios constrangedores. Também falou sobre o que diversos artistas já disseram sobre o Franz Ferdinand. E lembrou de um rapper – acho – que definiu os indies como homens grandes com camisetas pequenas. Que eu me lembre, foi a única frase que pareceu divertir honestamente Kapranos e McCarthy.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Aquecimento

Mais uma vez Woody Allen. E dessa vez acompanhado da mais bela entre as belas indicadas ao Oscar deste ano: Penélope Cruz. A atriz e o diretor foram clicados juntos pela fotógrafa Annie Leibovitz para a edição de março da Vanity Fair, que traz o Obama na capa.
No próximo domingo de carnaval, a espanhola concorre ao prêmio de melhor atriz coadjuvante por Vicky Cristina Barcelona, de Allen. Ainda não vi o filme - as comédias do diretor não costumam me interessar. Dessa vez, no entanto, três bons motivos me dão vontade de fazê-lo. Penélope é um deles. Scarlet Johansson e Javier Bardem os outros dois.
No sensacional ensaio da Vanity Fair, que eu descobri no blog da Ana Maria Bahiana, Leibovitz retratou dez parcerias de sucesso entre atores e diretores que ajudaram a gerar duas dúzias de indicações para o Oscar deste ano. Além de Penélope e Allen, há belas imagens que reúnem Sam Mendes e Kate Winslet, Gus Van Sant e Sean Penn e John Patrick Shanley e Meryl Streep, entre outros.
Por ironia, a mais emblemática das fotos é uma montagem. No retrato forjado, o diretor Christopher Nolan, de Batman: O Cavaleiro das Trevas, divide a cena com Heath Ledger, que concorre ao prêmio póstumo de melhor ator coadjuvante pelo papel do Coringa no filme. O primeiro foi fotografado por Annie Leibovitz em 2008, o segundo em 2005.
Palavras da Ana Maria Bahiana sobre a foto: “A vida é amiga da arte, e maior que a morte.”

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Síndrome do russo

Não conheço tanto quanto deveria o trabalho do Woody Allen. Vi poucos de seus filmes e ainda não li um único livro seu. Mas insisto em pensar que o diretor tem estado bastante intrigado com a obra do Dostoiévski quando resolve deixar - sabiamente - suas comédias de lado. Depois do petardo que foi Match Point, agora ele veio com O Sonho de Cassandra, que eu assisti ontem. Filmaço. O mesmo clima tenso do outro, mas diferente. Muitas (e boas) referências à obra do escritor russo, mais uma vez. Não é tão bom quanto Match Point, mas seria muita arrogância nivelar cada novo drama de Allen a partir do que foi esse filme: sem comparações. Em O Sonho de Cassandra, Colin Farrell está bom como jamais esteve. E Ewan McGregor perfeito, no papel de Ian. Intrigante. Descontados uns e outros deslizes de caráter, deu até inveja do personagem, vontade de ser como ele. Do mesmo jeito que me ocorreu com o Chris, de Jonathan Rhys Meyers, em Match Point. A diferença é que naquele filme o bem vestido da história era Tom, o amigo abastado do Chris. Agora, a coisa nesse ponto pega mesmo é com o Ian e o melhor figurino de que se tem notícia na história do cinema.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O brilho eterno da rosa

Imediatamente depois de terminar de ler As Correções, e ainda sob o efeito do procedimento que arrancou fora o meu rim esquerdo, mergulhei em Rua da Revolução, de Richard Yates. Na verdade eu deveria dizer que mergulhei em Foi Apenas um Sonho – era esse o título na capa do livro, recém editado no Brasil pela Alfaguara -, mas gosto da ideia de não chamá-lo assim.
Revolutionary Road, no original, foi lançado em 1961 nos Estados Unidos. No ano passado, sob o mesmo título, sua adaptação para os cinemas estreou por lá. Agora, o filme chegou ao Brasil com o nome Foi Apenas um Sonho. Nada mais previsível, portanto, que a editora pegar carona no longa e mudar o título do romance por aqui também. De bônus, o leitor brasileiro ainda ganha uma capa que reproduz o cartaz do filme.
Rua da Revolução, o livro, não se furta de mostrar que, invariavelmente, as coisas dão errado na vida de um casal. Foi o diretor Sam Mendes (de Beleza Americana) que resolveu adaptar a história para o cinema. Para o papel de April, a protagonista, escalou sua mulher na vida real: a sensacional Kate Winslet – cujo título de sensacional lhe seria garantido ainda que todos as obras de sua filmografia fossem limadas e mantidas apenas Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e Pecados Íntimos. Para o papel de Frank, o marido, o escolhido foi Leonardo DiCaprio. Rose e Jack, de Titanic, juntos novamente.
Ainda não assisti a Foi Apenas um Sonho e provavelmente demorarei a fazê-lo. Em grande parte porque não é de praxe filmes entrarem em cartaz em Ribeirão Preto – onde estou agora – ao mesmo tempo em que estréiam em outros lugares do Brasil. Ao menos do Brasil ideal. Mas essa é outra história.
O caso aqui é o livro.
No final das contas, você não consegue imaginar que alguém que não a Kate Winslet pudesse dar vida à April. Ainda que traído pela constatação de que a história já uma realidade no cinema tempos antes de eu sonhar em ler o livro, sou capaz de jurar que a April de Yates, trazida à tona nos anos 60, sempre teve a exata cara, corpo e gestos da Kate Winslet. Ou pelo menos daquela Kate Winslet travestida de April, que por ora eu só vi nos trailers e nas imagens de divulgação. Tudo daqui desse lugar que, a exemplo do condomínio em que o casal Frank e April afundaram seus sonhos, está distante de um país ideal.

*A primeira imagem é do filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, onde Kate é Clementine, a eterna garota do Jim Carrey. E dos cabelos coloridos. A segunda, feita pelo Tom Perrotta, foi publicada na revista do New York Times e mostra Winslet se preparando para a festa do Globo de Ouro, onde ganhou o prêmio de melhor atriz coadjuvante, por O Leitor, e melhor atriz de drama, por Foi Apenas um Sonho.

A correção

A história da desajustada família Lambert e uma laparoscopia. Para mim, duas realidades completamente dissociáveis. Para sempre.
Os Lambert estão no centro do livro As Correções, de Jonathan Franzen. O calhamaço com 600 páginas e, consequentemente, os Lambert, foram meus fieis companheiros durante o processo de recuperação do procedimento cirúrgico que arrancou fora o meu rim esquerdo. Daí a associação.
Eu soube do livro há apenas alguns dias, pelo blog do Zeca Camargo. Ele falou da obra quando falava, na verdade, do filme francês Um Conto de Natal, de Arnaud Desplechin. De tão irresistível que me parecera a ideia do filme, no mesmo dia em que li o texto corri para um daqueles cinemas caros e descolados de São Paulo onde ele estava sendo exibido em uma única sessão por dia. Com pouca paciência, 150 minutos mais tarde, cheguei à conclusão de que o esforço não valera a pena; e de que eu devo gastar menos dinheiro com amenidades.
No texto em seu blog, Zeca dizia que o filme o fizera lembrar “um dos seus livros favoritos de todos os tempos”. Foi o bastante para que a minha curiosidade pelo tal livro - esse As Correções - se vertesse em algo irresistível. A sorte de encontrar um exemplar novo da obra, por um terço do seu preço de tabela, em um sebo virtual, foi o momento derradeiro.
Basicamente, tanto o filme quanto o livro tratam sobre reuniões de Natal. No caso de As Correções, o fio condutor da história está na preparação de um Natal contada por narrativas individuais sobre cada membro de uma família americana do Meio-Oeste – os Lambert. Já o caso de Um Conto de Natal é assunto para aquelas insuportáveis mesas de debate em cinemas de arte.
Logo no início, as duas frases que abrem o livro dão o tom do texto com que Franzen irá expor a crise de valores dos Lambert: A loucura de uma frente fria de outono avançando pela pradaria. Dava para sentir: alguma coisa terrível a ponto de acontecer. No entanto, apesar do início arrebatador causado pela primeira dezena de páginas, em um segundo momento a obra esteve à beira de frustrar minhas melhores expectativas. Por um longo momento.
Muito provavelmente porque, já na leitura dos textos da orelha e da quarta página, tudo conspirava para que eu acreditasse ser esse o novo livro da minha vida. Uma família definhando, personagens escolhidos a dedo, um texto primoroso. Tudo a favor.
Mas a história é longa. Muito, muito longa. Tanto que eu só consegui me conformar com a extensão do conto quando estava a 100 páginas do final. Foi quando eu senti, de fato, minha pressão arterial se render ao ritmo do desfecho alucinante da história. Ali, onde tudo descamba no tão aguardado Natal em Saint Jude, evento que a perturbada matriarca da família, Enid, planeja durante toda a história, eu me rendi definitiva e completamente. E finalmente concordei que o extremo detalhismo de todo o romance serve para que o leitor chegue no principal momento do livro íntimo e apaixonado por cada um dos incríveis personagens criados por Franzen.
O efeito do seu experimentalismo é arrebatador. E olha que arrebatar um leitor com a barriga inchada por gases injetados artificialmente – exigência do procedimento, me garantiram – não é pouca coisa. Some a isso uma dúzia de pontos que parecem a um passo de estourar e dor, muita dor.

Em um determinado momento da história de As Correções, Alfred, o patriarca da família Lambert, despenca do oitavo andar de um transatlântico em pleno oceano. Arrebentado, ele diz que a única coisa que teve ferida na tragédia foi a sua dignidade. Fora do livro, o incômodo de uma sonda de borracha atravessando minha uretra até a bexiga me faz rever questões acerca de dignidade. Uma espécie de dignidade que tem a ver com a perda de um rim com pouco mais de 60 centímetros cúbicos e o uso de uma camisola velha da Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto.
Mas voltando à história de As Correções, eu diria que a coisa começa a ficar boa mesmo a duas linhas do penúltimo capítulo: Um Último Natal. Na página 471, as frases que encerram o capítulo anterior a esse dão um nó no estômago que só será desamarrado bem mais à frente. Mas já (bem) antes disso, na 475, a tragédia do Natal da pobre Enid começa para valer. Seja no seu neurótico ritual de escrever dezenas de cartões de Natal ou na melancólica contemplação das janelas de sua casa, onde ela “tem uma aparência menos real do que gostaria”, a matriarca dos Lambert rouba para si uma história permeada por tantos bons personagens.
Ao final, descobrimos, tão fracassados quanto ela, que toda a correção de Enid tinha sido em vão. É ali, no último parágrafo, ainda que o fracasso de tudo já não fosse mais novidade, que nossas convicções daquilo que é ideal em uma vida imperfeita escorrem pelo ralo. Feito excrementos de uma nefrectomia ou gases sujas de sangue.
Com um humor tão desconcertante e personagens tão profundos, dá até para pensar que estamos diante de gente de carne e osso em As Correções. Um livro que de tão perfeito chega a dar pena de ter que associá-lo a um evento marcado por mangueiras finas por onde escorrem soro e analgésicos. Ou por enfermeiras que falam alto.
No livro, o começo é fantástico e o final arrebatador. Do outro lado da história, a dor é latejante – e graças a Deus decrescente - onde antes havia um rim.
Agora, é só um vazio que arde e apunhala. Como aqueles que a infelicidade cria roubando os sonhos despedaçados de gente dada ao fracasso. De gente com o sobrenome Lambert. De gente como eu e você.

*A primeira imagem é a reprodução de uma ultra-sonografia do meu pequeno esquerdista antes da sua extração. A segunda é uma fotografia do autor de As Correções, Jonathan Franzen.