sábado, 9 de julho de 2011

O sorumbático Jonathan Franzen


Jonathan Franzen só pode ser um cara sorumbático. Que outro tipo de cara, perguntado sobre como uma pandemia afetaria sua carreira, responderia assim:

“Eu não me importo com minha carreira. Acho que a pior coisa que poderia acontecer seria alguém importunar minha ex-mulher. Não temos uma relação íntima e ela quer ser deixada em paz. Se alguém a procurar e começar a fazer perguntas sobre mim seria uma péssima consequência desse livro.”


O livro em questão é “Liberdade”, seu último romance. Para você ter uma ideia, as duas melhores linhas do livro dizem o seguinte:

“Todo ano, na época dos impostos, tem a impressão de que o ano anterior foi mais curto que o anterior a ele; os anos estão ficando tão parecidos entre si.”

Só um cara sorumbático como o Jonathan Franzen pode escrever uma coisa dessas sobre um personagem infeliz. E só alguém que se sente mais velho do que gostaria pode entender isso o bastante.

“Liberdade” não é “o livro do ano, e do século” como disse o The Guardian e como a capa da edição brasileira insiste em nos lembrar. “Liberdade” só é melhor que a obra-prima “As Correções”, o livro mais famoso do Franzen até então, porque tem vinte páginas a mais que ele. E é isso que as histórias do sorumbático têm de melhor: elas não terminam nunca. Franzen não é o tipo de escritor que agrada gente do tipo que não lê um livro grosso o suficiente para parar em pé sozinho na estante.

A verdade é que “Liberdade” é sobre nada. E para justificar suas mais de 600 páginas Franzen narra nelas a história de gente se tornando miserável enquanto tenta ser livre. E pra que histórias sobre nada e sem clímax tenham sua existência justificada ele cria os personagens mais profundos de que se tem notícia. Vamos a um exemplo:

“Outro método divertido de atormentar Patty era esconder o cachorro da família, Elmo, e fingir que tinha sido submetido à eutanásia enquanto Patty estava no treino de basquete da tarde.”

A frase acima, sobre uma das personagens principais da história – e, de longe, a mais interessante – diz mais sobre uma pessoa do que o tipo de roupa de baixo que ela usa sob as calças.

Se eu pudesse escolher escrever como alguém eu queria escrever como Jonathan Franzen. A verdade é que esse é o tipo de cara que eu gostaria de ter sido se não fosse eu mesmo.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Gisele Bündchen e o esgoto paulistano

Em 2000, aos vinte anos, a Gisele Bündchen já estava no topo do mundo. Naquele ano, em setembro, ela também estava na capa da Rolling Stone americana na excelente companhia do Mãozinha, da Família Addams.


Estrela de uma ação de guerrilha da Warner na revista, o adorável personagem (então mais margo, após uma crise de anorexia nervosa) foi escalado em uma tentativa insistente de emplacar as vendas em VHS de "O Retorno Da Família Addams" (a arrecadação na bilheteria, dois anos antes, não pagou nem o cachê da Daryl Hannah).

Mas o que importa mesmo estava dentro da Rolling Stone: o perfil da Gisele Bündchen assinado pelo mestre dos magos Erik Hedegaard. Simpático ao Brasil, em especial a São Paulo (que define carinhosamente como “enorme, barulhenta e fedida”), Hedegaard fez o melhor texto sobre a garota mais desejada do mundo desde "Frank Sinatra está Resfriado", do Gay Talese.

Já que em nenhum momento desses onze anos eu finalmente aprendi inglês, prestigio tal trabalho apenas agora, graças à sua tradução presente na boa seção “Arquivo RS”, que preenche espaços vagos na Rolling Stone brasileira com bastante excelência. Você também pode fazer o mesmo comprando a edição de janeiro da revista, que traz uma opção de capa com a bunda branca do John Lennon e o rosto da Yoko Ono (duas coisas que você não precisava testemunhar nesta vida).


“Do lado de fora do shopping, São Paulo é basicamente um esgoto”, dispara Hedegaard em momento de franca genialidade. No mais, ele insiste em relatar que Gisele, à época, fumava. Palavras alusivas a esse perigoso hábito, como “cigarro”, “fumar”, “fumaça” e “Parliament” (seu cigarro favorito em 2000), aparecem 781 vezes no texto.

A modelo ainda conta ao repórter que seus pais não sabiam que ela fumava. E pede que ele não diga a eles. A dúvida que fica é: se os pais dela não descobriram na época, em outras circunstâncias, nem aprenderam inglês nos últimos onze anos pra finalmente entender o que essa revista com nome de banda inglesa disse sobre a filha deles, agora eles só precisam gastar R$ 9,90 em alguma banca de Horizontina pra finalmente descobrir que foram enganados esse tempo todo pela prenda milionária. É sacanagem ou não é sacanagem?