sábado, 26 de abril de 2008

Ela é a lenda

Amy Winehouse perdeu o controle. De novo. Vou criar o movimento Free Amy, pensei. Cheguei a imaginar faixas e camisetas lotando as ruas do mundo. Que espécie de policiais são esses que não entendem o que se passa na cabeça de alguém que escreve letras como a de Love is A Losing Game?
O resultado foi que a justiça acabou sendo mais rápida que eu. Resolveram soltar a moça enquanto eu perdia dois dias inteiros traçando as diretrizes da minha organização.
Uma pequena nota na Veja de hoje, que reproduzo mais abaixo, dá uma idéia dos maus bocados pelos quais ela passou entre o momento do surto até ir parar do outro lado das grades. As fotos são reproduções do Daily Mail.


Amy a caminho da delegacia: firme no coque, desesperada no olhar...


...e sem humor para uma pose.

Desventuras de Amy*
Até para o padrão Amy Winehouse, completa epítome de artista maldita, a noite de terça para quarta foi movimentada. Às 20h30, já sob várias influências, entrou num pub e quis jogar sinuca. Não tinha lugar? Deu um soco na cara de um jogador e pegou o taco. Cansou, saiu trançando as perninhas e foi para um bar. "Ela gritava: sou uma lenda, manda todo mundo embora", conta uma testemunha. Cansou, saiu cambaleando, tentou chamar um táxi. Um homem quis ajudá-la, foi mal interpretado e levou uma cabeçada, felizmente amortizada pelo coque. Às 4, chegou em casa sem chave – amigos arrombaram a porta da garagem. Não acabou ainda: a vítima da cabeçada prestou queixa e Amy foi chamada à delegacia. Acabou a sexta-feira presa, sujeita a seis meses de cadeia e multa equivalente a 8.000 reais.

*Revista Veja, Edição 2058, 30/4/2008.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Um outro mundo


Álvaro: “Beth Gibbons canta alguns dos versos mais lindos da música contemporânea”

Não sei exatamente há quanto tempo leio o que o Álvaro Pereira Junior escreve na Folha. Deve ser algo perto de 14, 15 anos. Sei que o tempo tem exatamente a idade do Folhateen. Então fica fácil de saber, é só descobrir a idade do caderno.
O que eu sei, com certeza, é que na última segunda, dia 21, li o que foi, para mim, seu melhor texto. Para quem sabe de quem eu estou falando e, principalmente, do que significa um texto da pessoa de quem eu estou falando para mim, isso não é pouca coisa. Não é mesmo.
Com o título Em vídeo, o Portishead chega à perfeição*, o jornalista escreveu uma declaração de amor à banda inglesa. Eu assisti ao vídeo, claro. Concordei com cada vírgula. Mas isso é fácil. Além de perfeito, eu diria que Portishead in Portishead é também hipnótico. Tenso. E absolutamente triste.
Reproduzo abaixo um trecho do que o Álvaro escreveu. Em texto, ele chega à perfeição. Em seguida tem o vídeo. Ele precisa ser assistido. Na noite mais cinza da sua alma. No lugar mais escuro onde você se encontrar.

Musical e emocionalmente, um outro mundo. Desinteressado de grandes explicações, mas com obsessão pelo detalhes. Frio e distante na forma, mas desesperadamente confessional no conteúdo. Aflito, vital. Uma absoluta obra-prima contemporânea. Assim é "Portishead in Portishead", um vídeo com sete canções novas dessa instável banda inglesa que lança este mês seu primeiro álbum em 11 anos.
Na semana retrasada, "Portishead in Portishead" foi transmitido exclusivamente no próprio site da banda, o feio e impenetrável portishead.co.uk. Pouca gente ficou sabendo, menos gente ainda conseguiu ver, tamanho o congestionamento. Mas agora, por dois meses, o vídeo está disponível no site da Current TV (www.current.tv), a moderna emissora de TV + site presidida por Al Gore.

*Escuta Aqui, Folhateen, Folha de S. Paulo, 21/4/2008.

sábado, 19 de abril de 2008

Ben Yorke


Medo: parece o Thom Yorke cantando No Surprises, mas é o Ben, de Lost, dizendo que tudo vai ficar 'ok'

Eu sempre achei que o ator Michael Emerson, que faz o Benjamin Linus em Lost, lembrava um pouco o Thom Yorke, do Radiohead. Isso até assistir ao vídeo que o canal ABC lançou para promover a volta de suas atrações à programação nesta semana. Agora eu tenho certeza. No final do vídeo, o esquisitão Ben aparece dizendo que tudo vai ficar “ok” em uma cena futura da série. O close me fez lembrar, na hora, do clipe genial de No Surprises. Aquele onde Yorke veste um capacete de astronauta que vai se enchendo de água. Sinistro.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Ctrl C + Ctrl V


"o cavernoso Nick Cave"

O cozinheiro Edu Guedes enche o seu blog com receitas. A Priscila Fantin não pensa duas vezes antes de postar salmos, pensamentos e correntes daquelas que se espalham via e-mail no seu. A Samara Felippo também. Outros brincam com fotos no Photoshop e correm mostrar. Ou exibem letras de músicas, vídeos. Quando estão sem assunto, uma boa colagem costuma resolver o problema.
Outros blogueiros também não são de se intimidar na hora de encher a lingüiça dos seus diários com colaborações.
Foi por isso, para não bancar o diferente, que eu decidi que hoje vou usar uma reprodução aqui. É isso, também vou apelar para colaboradores. O de hoje se chama Nick Cave e ele não é um homônimo do cantor australiano. É ele próprio. Se bem que não se trata de algo que ele escreveu. O texto abaixo traz, na verdade, a transcrição de trechos de uma palestra que ele deu em 1999 numa universidade de Viena. O tema é A Canção de Amor. A belezura, na íntegra, saiu originalmente na revista gringa Another Magazine.
A versão que eu mostro aqui foi publicada pelo Lucio Ribeiro na antiga coluna que ele tinha na seção Pensata, na Folha Online. Logo, isso faz dele o nosso colaborador de hoje. E não o Nick Cave, como eu tinha dito antes. Ele diz mais ou menos assim:

Entre citações musicais e literárias, o cavernoso Cave relaciona seu modo de compor love songs com a morte de seu pai e a proximidade que isso o trouxe de Deus.

"...A canção de amor é uma canção triste, o som de sua própria desgraça. Nós todos experimentamos por dentro o que a lingua portuguesa chama de 'saudade', que traduz uma inexplicável sensação de desejo por algo ou alguém fora do alcance, um inenarrável e enigmático grito da alma por algo que não teremos...E é esse sentimento que vive no reino da imaginação e da inspiração. Que é a base da canção triste, da canção de amor. Que é a luz de Deus, que chega às profundezas, que remexe nossas feridas.

"...No rock contemporâno, a área em que atuo, a canção de amor parece menos inclinada a visitar a tristeza da alma. Excitação sempre, raiva às vezes, mas raramente fala sobre verdadeira tristeza. Bob Dylan sempre falou dela. Leonard Cohen sempre lidou com ela. E hoje ela apavora a PJ Harvey...

"...Na maravilhosa "Perfect Day", do Lou Reed, ele monta uma agenda de eventos que poderia levar a um dia perfeito. Um dia montado todo ele com momentos do amor belo, onde ele (Reed) e sua amada sentam na grama de um parque e bebem sangria, dão comida para os animais, vão ao cinema etc. Mas é uma parte da letra que se esconde na escuridão do terceiro verso, "I thought I was someone else, someone good" (Achei que eu fosse outra pessoa, alguém bom), que leva essa canção sentimentalóide à obra-prima da melancolia que ela é."

terça-feira, 15 de abril de 2008

Blogueiros quém, quém


Essa foto eu achei no Google com a legenda “para se esconder dos paparazzis”

Preciso falar mais sobre coisas que me irritam ou então esse blog vai perder totalmente a sua linha. Isso para o caso de algum dia ele ter tido alguma.

O novo clipe da Madonna é bom, mas o fato da música – e o próprio vídeo – parecer mais um trabalho do Justin com participação dela, e não o contrário, me irrita. E o pior é que eu nem falei sobre isso no post anterior. Mas esse assunto é passado.

Hoje eu quero falar mal de blogueiros. Virou moda. O Diogo Mainardi falou, o Álvaro Pereira Júnior falou. Ou seja, todo mundo que realmente importa falou. Isso me inspira. Não tenho nada contra aqueles blogueiros que, para usar as mesmas palavras do Álvaro, mantêm a sanidade mental. O que eu odeio são aqueles a quem o mesmo Álvaro chama de blogueiros em tempo integral.
O BlogLog, site do portal Globo.com que agrega blogs de globais e outros famosos, é uma boa vitrine para essa espécie. Lá, com exceção de uma dúzia de famosos em plena atividade sob os holofotes, um bando de náufragos da fama se esforçam para ter seus diários lidos e, quem sabe, figurar na lista dos mais visitados e comentados. Chega a ser deprimente.
Além de cultivar expressões cafonas, como se referir aos seus leitores como bloglindos ou distribuir estalos, afagos e por aí vai, os célebres reservam tempo para falar sobre tudo e sobre todos. Sempre com a mesma falta de categoria. Postam fotos de viagens, de filhos, sobrinhos, namorados. Divulgam roteiros com os lugares onde estarão trabalhando, dançando, namorando. Desabafam. Dias depois, no mesmo lugar, se queixam da invasão de privacidade e do assédio de fotógrafos e jornalistas. Joana Balaguer reclama da incompetência do júri do Dança dos Famosos – quadro do programa Domingão do Faustão - que a desclassificou. Dos paparazzis que não a deixam ter amigos em paz. Carolina Dieckmann fala sobre o caso Isabella. "Enquanto não houver prova, não devemos julgar quem quer que seja", escreveu. A lista de aberrações é quilométrica.
Salvam-se um ou outro blog. E só. Um dos bons lugares para se perder alguns minutos foi lançado há poucos dias e alçado direto para a lista dos mais visitados do site. Trata-se do diário do apresentador Marcos Mion. Aquele que já foi judeu no programa Sandy e Junior, revelação na MTV, aposta na Band e, no final das contas, acabou voltando para a MTV.
Na página, além de sacanear a "bregueira" dos seus companheiros de BlogLog, o apresentador opina sobre tudo e todos. Sempre no melhor estilo "metralhadora giratória". No post de hoje, por exemplo, ele lançou a campanha Sai da frente Aguinaldo!!!, que pretende tirar o blog do novelista Aguinaldo Silva do primeiro lugar entre os mais visitados e comentados do site. Também se presta a analisar a MPB. "Quem foi o puto que disse que cantar baixinho, sentado num toco de perna cruzada, usando um português que ninguém entende é legal?!!! Musica é boa quando vc pode gritar junto, dançar, mandar um pelado correria na tua mina, tá ligado?", diz.
Nunca pensei que fosse, algum dia, reverenciar o estilo do Mion. Foi, no mínimo, constrangedor vê-lo se transformar, há alguns anos, no bombado depilado e narcisista que insiste em aparecer pelado na MTV. Ou então naquele que beija o VJ Casé no horário nobre, usa saia. Se bem que isso deve ser o que chamam de atitude e eu não sei de nada. Se bem que ele acabou ganhando créditos comigo ao hostilizar a Sandy ao vivo, em rede nacional, em uma premiação da emissora, há algum tempo. Não que eu odeie a irmã do Junior, mas foi sensacional ver o apresentador da festa dizer na cara dela que sua imagem estava desgastada.
No post em que analisa a MPB, Mion ainda se dispõe a opinar sobre o clássico O Pato, do João Gilberto. Com o mesmo estilo de quem não se leva a sério, totalmente na contramão dos globais e náufragos da fama que povoam o mesmo BlogLog, ele explica o motivo pelo qual a música não pode ser boa. "Quem é que transa com ‘o pato, veio correndo alegremente, qué, qué, qué’?!!! Nem sei se é alegremente... só ouvi esta música uma vez na vida, antes de usar o CD como pires pro café."
Mais tosco impossível.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

O peso das horas

Em um primeiro momento, meu avô foi para mim apenas o homem de cabelos de neve que morava na segunda casa de um velho beco. A casa da calçada quadriculada, do muro baixo e árvore gigante, cuja sombra atravessava a varanda e invadia a sala. Depois, ele foi aquele que me levava para cortar o cabelo, de ônibus elétrico, e comprava pão de queijo para mim. Também foi o que me entregava o almoço no trabalho. E tantos outros em outros tempos. Sempre grande, porque as pessoas são para nós exatamente do tamanho das lembranças que guardamos delas.
Depois de crescer eu descobri que o meu avô não era cada um desses separadamente. Antes de tudo, ele era alguém que ocupava diversas lacunas em cada uma das pessoas que eu fui durante a vida. Porque somos todos repletos de lacunas. E em cada momento de nossas vidas encontramos pessoas que preenchem o tamanho exato de cada um desses vazios. Para o bem ou para o mal.
Diferentemente do que acontece em mim, aos poucos as lacunas que outrora eu preenchi no cérebro do meu avó vão se apagando. As minhas e as de todos os outros. Suas memórias vão desaparecendo feito o brilho das velhas fotografias sobre a cômoda no quarto.
Ele é um homem cujo cérebro vem sofrendo degenerações. Essa perda progressiva da memória, a que chamam de doença de Alzheimer, aos poucos, mas de maneira violenta, rouba as suas lembranças. E um homem não é nada se não tem do que se lembrar.
Enfiado em uma poltrona azul, na sala de casa, aos poucos meu avô vai se afogando na sua melancolia. Feito um náufrago que apenas espera. O almoço que demora, o dia que não passa. A hora de colocar o lixo na rua. Esperando. Com o peso das horas lhe forçando os ombros e lhe tomando, aos poucos, a alegria de lembrar.
As histórias de quando vivia na roça. A valsa que animou seu casamento. Os passeios na bicicleta azul. O trabalho como engomador, como pintor de paredes. A companheira que já partiu. Tudo se apaga.
A princípio, a vida de alguém com a doença de Alzheimer é uma constante luta contra o esquecimento. Em seguida, a vítima se acostuma com a degeneração de suas lembranças e passa então a se acostumar - ou talvez a se entregar - à implacável ação do tempo. Como uma brisa que invade a sala e espalha mofo pelas paredes velhas, em vez de sacudir as cortinas.
Se um homem não é nada além das lembranças que carrega, quando perde sua capacidade mental ele deixa de existir integralmente e passa a viver de pequenos súbitos de lucidez. Como espectros de sanidade sufocados pela ação do tempo.
É incrível como apesar de tudo ainda existe, em homens como o meu avô, uma integridade e uma dignidade que não se fabricam mais. Mesmo quando ele se afunda na imensidão da sua poltrona azul. Mesmo quando ele se acostuma a esquecer o que foi. Talvez porque homens como aquele sejam feitos de outros tipos de átomos e emoções. E apesar de serem igualmente frágeis e inofensivos diante do peso do tempo, envelhecem lutando para não se esquecerem daquilo que Camões chamou de "a grande dor das coisas que passaram".

Texto publicado na revista Expressão Feedback, edição 125 (março de 2008).
Imagem: Clock Explosion, Salvador Dalí.