quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Uma rajada de otimismo

O forte desse blog não é a atualização. Nunca foi. Então eu não preciso pedir desculpas por querer falar hoje de um show do Holger que aconteceu dez dias atrás, no Bar Secreto, em São Paulo.

Conheci a banda há algum tempo, no blog do Lúcio Ribeiro. E desde então é lá que eu venho descobrindo quase tudo o que eu sei sobre eles. Por exemplo, que 2009 foi um ano excepcional para a sua curta carreira. Nos últimos doze meses, eles se apresentaram em festivais importantes no Brasil, receberam indicações para o VMB, tocaram no Canadá, nos Estados Unidos e até dentro da loja da Diesel, nos Jardins. Muito disso, penso eu, pela repercussão do (excelente) EP Green Valley. Mas principalmente pelo barulho que vem sendo feito em torno de suas loucas apresentações. É fácil comprovar: não há show brasileiro mais legal que o deles atualmente.

Do lado de fora do Secreto, na quarta passada, um hostess com camiseta do Sepultura recomendava o show para um bando de dasluzetes indecisas, contando que tinha visto a passagem de som, mais cedo, e que era "bom". Lá dentro: mulheres lindas desfilando roupas caras, álcool correndo solto e uma banda ensandecida tocando sobre a pista de dança. O show é ensurdecedor e eletrizante - isso para economizar adjetivos. Uma rajada de anfetamina. Em meia hora de apresentação, os cinco Holgers, todos com 20 e poucos anos, se revezam nos instrumentos, esmagam a bateria, deitam no chão e chamam espectadores mais empolgados para dançar no poste do bar. A intensidade é tamanha que parece que o mundo vai acabar ali, no Secreto.

O som da banda vai na esteira de clássicos do indie (Wilco, Pavement). As letras são ótimas. A boa The Auction, uma das faixas mais conhecidas, tem clipe passando na MTV - mas o vídeo é muito ruim.

No dia seguinte ao show, no Twitter, testemunhas usavam adjetivos impublicáveis (mas sempre positivos) para se referir à apresentação. Uns apelavam para analogias futebolísticas (“é que nem pênalti, tem que se esforçar para sair no 0 x 0”), outros faziam poesia (“muito amor”) e até diziam que aquela era a melhor coisa que tinham visto em muito tempo (tudo bem, esse era eu).

Na Rolling Stone deste mês, a do Mano Brown na capa, tem matéria com a banda. O texto diz que eles ainda frequentam a faculdade e dependem de outros trabalhos para sobreviver. E que fazem planos de gravar o disco de estreia no ano que vem.

Sinais de que a festa está apenas começando.

(A foto, que não é do show no Secreto, foi roubada do Flickr da banda.)

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

The Killers por um mundo melhor


Hoje é o primeiro dia do mês mais triste do ano. E o Killers aproveitou este 1º de dezembro, quando é celebrado o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, para dar uma nova contribuição ao melancólico universo das canções natalinas.

A banda lançou hoje, para venda na internet, Happy Birthday Guadalupe, sua quarta música de Natal. Assim como das outras três vezes, os lucros da canção serão doados para um fundo de combate à Aids na África.

A música conta com a participação dos americanos Wild Light, de New Hampshire, e Mariachi El Bronx, de Los Angeles. E é, de longe, a melhor das gravações natalinas lançadas pelo Killers. Para quem não curte os caras, uma dica: ela não lembra em nada os maiores sucessos deles.

O clipe de Happy Birthday Guadalupe também é ótimo - e igualmente 'diferente' dos outros vídeos da banda. Ele narra a história de um cowboy solitário, sofrendo de amor no deserto, interpretado pelo Luke Perry, o Dylan da primeira versão de Barrados no Baile.

Com frases cantadas em castelhano, elementos mariachis e um refrão triste e grudento, berrado pelo mestre Brandon Flowers, o vocalista mais bem vestido de Las Vegas, Happy Birthday Guadalupe faz uma mistura e tanto das principais características de cada uma das três bandas. E pode ser dançada a dois, no mesmo ritmo de Elephant Gun, do Beirut. E ajuda a comprovar que quanto mais brega e preocupado com os destinos da humanidade o Killers fica, mais ele melhora musicalmente.

E viva o México!

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Um grande garoto

Eu queria ser o Nick Hornby por um milhão de motivos. A coluna que ele tinha na The Believer é um deles. Um dia eu falo dos outros.

Como eu não sou ele e não tenho uma coluna em lugar algum, vou escrever aqui mesmo. E vou fingir que sou ele para poder falar das coisas que andei lendo nos últimos dias. E também das que andei vendo – no cinema ou em casa.

Depois de começar assim, talvez eu nem precise mais dizer que (finalmente) li Frenesi Polissilábico. Primeiro eu resisti, é verdade. É que tenho tanta ficção na fila de livros para serem lidos que achei que esse podia esperar. Engano meu. Qualquer pessoa que sonhe em escrever livros um dia precisa ler o que este senhor tem a dizer sobre os mesmos. Só sei que minha lista de leituras pendentes aumentou consideravelmente. E que me deu muita vontade de rasgar tudo o que eu já escrevi na vida.

Vi Brüno. O que não chega a ser uma novidade, já que todo mundo viu. Mas no meu caso não é tão óbvio assim: assisti Borat apenas há algumas semanas; e meio que para me “preparar” para esse Brüno. O filme é constrangedor; muito constrangedor. Mas é tão, tão genial, que você acaba perdoando tudo. O plano para o sábado do Brüno também incluía fazer uma concessão para o cinema brasileiro e assistir Tempos de Paz. Embora eu não crie expectativas para filmes nacionais, esse me pareceu digno de ser visto. Mas só até o momento em que eu assisti o Videocast da Isabela Boscov sobre ele. O que se seguiu foi que eu desisti. Eu sei, isso é coisa de gente sem personalidade, mas a questão é que talvez eu não tenha personalidade mesmo.

Para fechar o assunto cinema, vi Apenas Uma Vez, Amantes e Se Beber, Não Case. O primeiro não é tão novo assim, mas eu só descobri agora. É bom porque é como um disco do Damien Rice tocado do início ao fim. Sem final feliz, sem muitas alegrias, com boas atuações e uma trilha sonora de fazer bater com a cabeça na quina da mesa.

Amantes começa com uma tentativa de suicídio. E nenhum filme com um começo assim pode ser de todo ruim. Há cenas ali de uma sinceridade comprometedora. Principalmente para homens. E mais ainda para homens que já passaram da idade de morar com os pais. Daria para esquecer qualquer outra coisa de Amantes e se concentrar apenas na atuação do Joaquin Phoenix (foto), que paga de looser o tempo todo. Mas aí daria muita vontade de chorar quando a gente se desse conta de que o cara, de repente, resolveu surtar e virar rapper. E nunca mais se barbear ou cortar o cabelo. Uma judiação, mas deixa para lá.

Sobre Se Beber, Não Case, não há muito o que dizer. É que eu ando lendo tanta coisa sobre ele que não saberia fugir do lugar comum. O que eu sei é que eu odeio comédias, de uma maneira geral. Mas essa é daquelas que te tomam de ataque e te fazem ficar se perguntando: como é que alguém pode pensar em um roteiro tão bom? O filme me fez sentir muita vontade de ir para Las Vegas. E de ter amigos menos normais. E de me casar logo só para fazer uma despedida de solteiro como aquela.

Finalmente paguei uma velha dívida de leitura: Cinzas do Norte, do Milton Hatoum. Esse é o único escritor brasileiro de ficção que me interessa. O último livro que eu havia lido dele, a coletânea de contos A Cidade Ilhada, vale por seis meses em qualquer oficina literária. E olha que eu nem gosto tanto assim de livros de contos. Mas o problema é que eu achei Cinzas o pior de todos dele. Ou o menos bom, para ficar melhor. Isso porque, por pior que seja, o Hatoum nunca consegue ser menos que bom.

Ainda tentei ler Terras Baixas, do Joseph O'Neill. Ouvi falar do livro quando o Obama resolveu dizer, há muito tempo, que esse era o seu livro de cabeceira. Não acho que o Obama seja digno de ter qualquer recomendação seguida, mas saiu tanta coisa em tantos lugares sobre o livro que eu acabei me interessando pela história. E contei os dias para ele ser lançado no Brasil. Não consegui ir além da página 60. O que eu não entendo é como pode ter tanta gente comparando esse estorvo a O Grande Gatsby. Heresia. Voltei na livraria e troquei por Após o Anoitecer, do Haruki Murakami. Ando meio que determinado a ler tudo desse cara.

Também estou lendo A Cabeça é a Ilha, do Andre Dahmer. Tenho feito isso o mais devagar que posso porque o livro é tão bom que dá dó de terminar. A cada página eu decido que uma determinada tirinha é a melhor que já li dele. Mas isso só dura até a próxima página, quando eu mudo totalmente de ideia e escolho outra.

Também tem o novo disco do Artic Monkeys, que eu esperei tanto para ser lançado – será que ele anda dando sono só em mim? E um monte de shows que estão por vir. Mas aí ficaria extenso demais. Então eu diria que isso ficaria para o mês que vem, caso estivéssemos na Believer. Como não estamos e eu não obedeço a nenhum grupo de jovens que se vestem de branco – o tal do Frenesi Polissilábico – é melhor deixarmos o resto para um próximo post. Ou para nunca mais, caso surja um assunto mais adequado.

sábado, 15 de agosto de 2009

A glória da tarde

Via de regra, um guia para observação de nuvens me pareceria, a princípio, tão interessante quanto um estudo sobre os atacantes mais promissores do futebol árabe. E se houve um momento em que eu pesei essa certeza, foi quando vi o Zeca Camargo falar, há mais de um ano, sobre um tal de Guia do Observador das Nuvens, de Gavin Pretor-Pinney, em seu blog.

A história toda me pareceu um tanto irresistível por conta de uma frase que ele escreveu logo no primeiro parágrafo do texto: “uma pequena obra-prima da leitura que você pode tranquilamente ignorar por toda sua vida, mas que, quando você a encontra, pergunta-se como pôde viver até os dias de hoje sem uma preciosidade dessas.”

Batata.

Nos últimos tempos, peguei o livro nas mãos mais de uma vez, sempre em uma mesma livraria. Sempre aquele único exemplar, à minha espera. Nunca o comprei. Hoje, no entanto, eu meio que o li – bem por cima, é verdade - sentado no café dessa mesma livraria, à tarde. Um espresso, um brownie com sorvete e algumas horas folheando um manual sobre a maneira correta de se olhar para aquilo que o autor chama de o “rosto da atmosfera”. Pronto.

Basicamente, cada capítulo do livro fala de um tipo de nuvem. No último deles, o tema são as do tipo Glória da Manhã – as Morning Glory. Trata-se da “nuvem surfada pelos pilotos de planadores”, explica o texto. “Uma nuvem baixa que parece um rolo de merengue esticado de uma ponta a outra do horizonte, com céus claros adiante e atrás dela.”

Lembre-se de que Morning Glory também é o nome do melhor disco do Oasis. Logo, ninguém conseguiria resistir a um texto sobre uma nuvem chamada assim. Certo?

Ainda sobre a tal Glória da Manhã, nosso amigo Pretor-Pinney narra uma jornada onde tenta convencer pessoas de que “a vida seria um tédio se não tivéssemos mais nada para olhar a não ser a monotonia do azul, dia após dia”. No final das contas, ele acaba por concluir que “atravessou meio mundo só para descobrir (...) que estava pregando para os convertidos”. Essa é a última frase do livro. E eu me assumo incapaz de me lembrar de um fim de texto melhor que esse em qualquer outro livro, de qualquer tempo – ao menos por ora.

Tudo o que eu sei, acima de qualquer coisa, é que vou acabar rolando na cama à noite, sem conseguir dormir, repetindo insistentemente a mesma pergunta: como é que eu pude viver até hoje sem uma preciosidade dessas?

domingo, 24 de maio de 2009

Cachorros mortos e orelhas pontudas

Poucas sensações são tão especias quanto a de se sentir embasbacado ao terminar um livro ou sair do cinema - no final do filme. Essa semana eu me senti assim duas vezes. A primeira delas tem a ver com algo que já vinha dando voltas na minha cabeça havia bastante tempo: O Estranho Caso do Cachorro Morto.

Não me lembro da primeira vez em que ouvi falar desse livro. Lembro apenas de quando descobri seu autor, Mark Haddon. Foi na livraria de um shopping, quando eu garimpava algo de diferente na ilha de lançamentos. E então eu encontrei Uma Coisa de Nada, sua obra seguinte à do cachorro. Não comprei o livro e até hoje não o li inteiro. Mas fiquei impressionado com o texto; e com a história, com a capa.

No final das contas, eu só adiei a possibilidade daquela experiência – a experiência de ler Haddon.

A questão aqui é que o tal livro do cachorro foi aparecendo na minha frente diversas vezes desde então. E o mais importante de tudo é que o livro é mesmo incrível.

Eu poderia gastar muito tempo elogiando sua narrativa engenhosa. E dizer que ele conta a história de um menino autista que decide investigar o assassinato do cachorro da vizinha e acaba descobrindo muito mais do que gostaria. Acontece que o ponto é que eu me rendo à histórias que envolvam pessoas com algum tipo de deficiência mental. E foi principalmente isso que me arrebatou: Haddon parece conhecer a mente de um autista como se fosse um deles. E prova isso principalmente nas entrelinhas, nas coisas que não diz.

Há uma passagem no texto que me impressionou, em especial. É quando Christopher, o menino, ouve sua mãe brigando com o namorado e então decide pegar um rádio portátil na cozinha e se fechar no quarto com o aparelho sintonizado entre duas estações. A explicação dele para isso dispensa comentários: “para só poder escutar o barulho vazio, daí aumentava bastante o volume, e apertava o rádio no meu ouvido, e o chiado enchia meu ouvido e me doía tanto que eu não sentia mais nenhuma outra dor, como a dor no meu peito (...).”

Ainda tem a outra descoberta que eu fiz essa semana que, embora eu não soubesse antes de entrar no cinema, também tem a ver com o camarada Christopher. E com o novo Star Trek.

Minhas lembranças com Jornada nas Estrelas, de que o personagem do livro também é fã, remetem a quando a série era reprisada na TV, nos fins de tarde. E só. Lembro muito pouco das histórias. O que eu lembro mesmo é de nunca ter entendido, ao certo, se o Spock, o cara das orelhas pontudas, era um homem bom ou mau.

O que eu soube, a partir do momento em que descobri que a direção do novo filme da série ficara por conta do J. J. Abrams, foi que certamente eu iria ao cinema vê-lo. E pronto; eu fui.

Daria para ficar aqui listando as marcas do diretor no filme. Na trilha, nas reviravoltas do roteiro, nas cenas que não te deixam respirar. Está tudo ali, inclusive a neura por viagens no tempo que fazem com que um personagem encontre consigo mesmo em outra época e os incríveis flashbacks de sempre.

Mas a coisa toda vai muito além disso. Muito mesmo. Star Trek é o melhor filme que eu vejo em muito tempo. Depois de tanto dinheiro desperdiçado tentando encontrar algo que fosse além do trivial no cinema, esse valeu cada centavo gasto. Só a sequência inicial, se repetida durante duas horas, já valeria, sozinha, o ingresso. Mas há muito mais.

A verdade é que não há nada como boas histórias contadas de maneira brilhante para fazerem você acreditar nessa estranha força, descrita pelo narrador no final do filme, que nos leva a descobrir novos mundos. Seja na tela grande ou nas páginas de um livro, uma força que tem a ver com uma espécie de recompensa impossível de ser descrita.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Medo do J. J. Abrams

O mundo é um laboratório. Pelo que entendi assistindo ao piloto de Fringe, é esse, basicamente, o argumeto do novo devaneio de J. J. Abrams, criador de Lost. Para dizer o mínimo, a série mistura referências científicas e teorias conspiratórias com o que mais se vê no trabalho do produtor: reviravoltas e tensão, muita tensão. Em entrevista à Veja, Abrams assumiu ter aprendido que “a melhor forma de uma trama de mistério prender o espectador era criar tantas reviravoltas e desdobramentos paralelos que ele não tivesse tempo de respirar". Sobre Fringe lidar com teorias conspiratórias, ele foi além: “as teorias conspiratórias dão ao espectador uma sensação de conforto. A possibilidade de que o mundo seja controlado por uma organização ou sistema é assustadora. Mas, ao mesmo tempo, fornece um sentido à vida: se isso existir, então há um objetivo maior por trás de tudo.”

Perguntado sobre o que está ocorrendo com muitos fãs reclamando que Lost se tornou mirabolante, ele respondeu que “esse pessoal não é nerd o suficiente”. Aliás, todos os produtores da série não cansam de repetir que nunca perderam o controle e que, ao fim da trama, todas as pontas se ligarão. Penso que a última cena do 11º episódio da quinta temporada da série, com o Locke dando boas vindas à terra dos vivos ao Ben, endossa bem o que o próprio Abrams falou sobre não dar tempo para o espectador respirar.

Além de ter sua sequência inicial filmada em um avião, Fringe compartilha com Lost da necessidade de mostrar o quanto grandes corporações desejam controlar o mundo. E de que somos todos cobaias de experimentos ininterruptos. E de que talvez as pessoas sejam um pouco mais sinistras e assustadoras do que imaginamos.

Pelo que li na Veja, a própria mulher do produtor já declarou que ele é um ser de outro planeta. É por essas e outras que eu tenho medo do J. J. Abrams. Muito medo.

domingo, 5 de abril de 2009

Um bebê errático e triste

Hoje faz exatos quinze anos que Kurt Cobain estourou os próprios miolos com uma arma. Eu gostaria de dizer que era fã do Nirvana e da mente perturbada de Cobain. Que assim como fizera com a pequena Frances, filha do cantor com a igualmente equilibrada Courtney Love, seu suicídio também me deixara órfão. Mas não é verdade. Em 1993, por exemplo, enquanto Cobain abaixava as calças e cuspia na câmera da Globo, no Hollywood Rock, eu estava mais interessado na turnê de O Canto da Cidade, da Daniela Mercury.

É com tristeza que eu digo que o meu fascínio pelo Nirvana e, mais especificamente, pela história de Cobain, só veio mais tarde, tempos depois de sua morte. Lembro de uma Showbizz, de 1996, em que ele aparecia na capa atrás da pergunta: “Valeu a pena Kurt?” A edição trazia, além de uma biografia instigante do músico, a reprodução de sua carta de suicídio.

De lá para cá, já reli o texto da carta algumas dezenas de vezes. E é sempre uma experiência avassaladora. Arrepiante, para dizer o mínimo. Fico incomodado quando ele se declara um bebê errático e triste. Ou quando diz que não tem mais paixão. Quando cita Neil Young para dizer que é melhor queimar do que se apagar aos poucos. Quando diz que a vida de Frances será tão mais feliz sem ele; e em todo o resto.

Gosto muito de diferentes fases e trabalhos do Nirvana, que conheci bastante depois do suicídio de Kurt. Mas há uma gravação da banda, no entanto, que considero especialmente arrebatadora. Trata-se de uma versão para Where Did You Sleep Last Night, do cantor e guitarrista Huddie Ledbetter, conhecido como Leadbelly, tocada na gravação do Unplugged MTV. Acho incômodo e fascinante o silêncio mortal que o público faz durante os seis minutos que dura a canção. Assim como é igualmente incômoda e fascinante a entrega de Kurt na música, que encerrou a noite.

Por motivos que ninguém nunca conseguirá entender, Kurt se matou menos de cinco meses depois da gravação do Unplugged. Tenho para mim que ele soube, naquele momento, que jamais conseguiria cantar nada melhor do que Where Did You Sleep Last Night. Não daquela maneira.

Paul & Ringo

Ontem, às vésperas do aniversário de 15 anos da morte de Kurt Cobain, a magia dos Beatles ganhou vida novamente. E olha que para isso nem foi preciso gastar duas balas e reunir os quatro integrantes da banda mais uma vez. A coisa toda durou apenas três minutos, mas deu para sentir o que o Nick Hornby chamaria de “sensação gostosa de sonho”.

Tudo começou quando Paul McCartney pediu uma ajudinha do amigo Ringo Starr para cantar com ele With a Little Help From My Friends, em Nova York. A parte chata é que uma decisão tão boa tenha partido de uma causa tão infeliz: o evento onde eles se apresentaram pretendia levantar dinheiro para ajudar que cerca de um milhão de crianças aprendam a técnica da meditação Transcendental, que os próprios Beatles praticaram no auge da fama. Fico pensando que eles poderiam ter arranjado um milhão de outros motivos para dividir o microfone, mas foram decidir fazê-lo justamente por isso.

Há pouco eu tornei a me lembrar do Ringo. Dessa vez, por conta de uma reportagem na Veja com a história do Pete Best, que foi baterista dos Beatles antes deles se transformarem em fenômeno mundial. Best foi demitido do grupo e Ringo entrou em seu lugar. Algum tempo depois, Best se trancou em casa, abriu o registro de gás e tentou se matar. Sua atitude mostra que ele não é um cara sensato: em seu lugar, qualquer pessoa do mundo teria tentado o suicídio de uma maneira irreversível. Atualmente, de acordo com Veja, Best dispõe de “um ótimo senso de humor”.

Voltando ao grande encontro de ontem, lembrei de quando eu ouvia With a Little Help From My Friends na abertura de Anos Incríveis, na versão do Joe Cocker. E de que o Ringo é pai do Zac Starkey, que já tocou bateria no Oasis. E pensei que o Ringo, o mais desajeitado dos Beatles, apesar de gostar de uma coisa tão chata quanto meditação e de se vestir como se fosse um integrante do Bee Gees, só pode ser um cara legal.




(Na foto, Kevin Arnold, Paul Pfeiffer e Winnie Cooper, de Anos Incríveis)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Eu queria ser Mark Ronson!

Chega de Radiohead, por ora. O assunto agora é a escolha do homem mais bem vestido da Inglaterra: o multi-instrumentista Mark Ronson.

Ronson produziu Back To Black, o segundo e melhor álbum da Amy Winehouse. Também deve ajudá-la a refazer seu novo disco, que foi rejeitado pela gravadora. Além de um Grammy como melhor produtor, Ronson tem na estante de casa um Brit Awards de melhor artista britânico masculino. Ele estreou como DJ em uma festa do Puff Daddy e tocou no casamento do Tom Cruise com a Katie Holmes. Cresceu, dizem, vendo David Bowie, Paul McCartney e Tommy Hillfiger na sala de casa. Em 2007, lançou Version, seu segundo álbum, com regravações de sucessos do indie e do pop com roupagem black. Para “reinventar” músicas de gente como Britney Spears, Smiths e Jam, o rapaz contou com a ajuda de gente como Lily Allen, Robbie Williams e Amy Winehouse. Ronson é boa pinta, milionário, talentoso, já pagou de modelo para a DKNY, é amigo de todo mundo que importa e o melhor de tudo: acaba de ser eleito o inglês mais bem vestido do ano pela GQ britânica. A lista sai na edição de maio da revista. Figuras como Guy Ritchie, Tom Ford e David Beckham ficaram para trás. Alex Turner, do Artic Monkeys, só aparece em 13º.

Para terminar, uma trégua na promessa de não falar mais de Radiohead: em Version, Ronson chamou Alex Greenwald, do Phantom Planet, para cantar na melhor cover de que se tem notícia para uma música do grupo de Thom Yorke: a grooveada versão de Just. Também não dá para imaginar figurino melhor para uma banda do que o usado no videoclipe.

(Foto do site Erika Palomino)

terça-feira, 31 de março de 2009

Diogo rocks

O Diogo Mainardi foi ao show do Radiohead no Rio. Disse que foi arrastado, mas foi. Ele contou que um amigo seu é amigo de um guitarrista da banda, que arrumou um lugar para ele no “curralzinho da mesa de som”. Também contou que no dia seguinte, no bar do hotel, o baterista do grupo ensinou seu filho menor a tocar bumbo. Sobre o show, o Mainardi disse que o Radiohead o aborreceu com aquelas bandeiras tibetanas penduradas nos pianos. “Durante o espetáculo (...) pensei apenas que, entre eles e uma cadeira, escolho a cadeira”, disse. O melhor de tudo é que o assunto da sua coluna não foi a apresentação do Radiohead, mas o show de abertura. “Durante o espetáculo do Kraftwerk, pensei sobre o fracasso de minha geração. Sobre o futuro esclerosado que representamos”, explicou Mainardi. Entre o Radiohead e uma cadeira, eu ainda escolho o Radiohead. Mas por todo o resto é que o Mainardi é meu ídolo.

quarta-feira, 25 de março de 2009

O expresso da angústia

Seria estranho escrever menos sobre o show do Radiohead do que escrevi sobre os shows do Kraftwerk e do Los Hermanos. Mas a verdade é que não dá para dizer nada sem parecer piegas. Não sobre um show do Radiohead.
Talvez, para fugir disso, eu devesse falar sobre a tragédia que foi a organização do festival. Sobre a dificuldade de se chegar na Chácara do Jockey. Sobre a minúscula ladeira na qual 30 mil pessoas se espremeram para deixar o lugar, no final da apresentação. Sobre a impossibilidade de se encontrar um taxi disposto a te levar embora. Sobre o cheiro de excrementos de cavalo. Sobre os diversos "brejos" formados pelos mesmos excrementos no gramado do show e, por fim, sobre copos de água vendidos a cinco reais.
Mas a verdade é que, no palco, em pouco mais de 130 minutos, o Radiohead chegou à perfeição. E a todo momento, no show, eu me lembrava de uma coluna do Álvaro Pereira Junior onde ele falava sobre “como é um show do Radiohead”. De como ele dizia que os discos "difíceis" da banda, no palco, passavam a fazer sentido. “Não representavam a ruptura que, em um primeiro momento, se imaginava (ou que pelo menos eu imaginei)”, escreveu ele. No último domingo, era exatamente disso que eu me lembrava. De como as músicas, de diferentes fases e álbuns da banda, de uma hora para outra se pareciam absolutamente coerentes entre si. A diferença é que, ao falar de um show dessa mesma turnê, em Toronto, no ano passado, ele dizia que “a banda estava gelada. Perfeita e sem vibração.” E ia além: “(...) tenha em mente: o show, que dura duas horas, não é arrebatador. É, isso sim, milimetricamente profissional.”
Sobre o show não ser arrebatador, eu não consigo discorrer – talvez por ser meu primeiro show do Radiohead (e até por culpa da minha pouca experiência com apresentações desse “porte”) eu fui absoluta e completamente arrebatado. Abduzido, até. Esse tipo de análise mais “distante” é coisa para gente como o Álvaro; coisa de gênio. Mas sobre uma coisa eu posso, certamente, discordar dele: dessa vez, a banda estava perfeita e, completamente, vibrante. Vibrante e alegre a ponto de se fazer estranhar por aqueles que (como eu) esperavam dar de cara com os cinco caras mais tristes e enigmáticos da música pop.

Assim, depois de alguns dias imaginando uma forma para descrever essa experiência, decidi que o melhor é desistir. Em seu lugar, vou tentar me prender a fatos que me marcaram na primeira passagem do “expresso da angústia” – expressão que roubei do portal Estadão - pelo Brasil. Eu poderia listar dezenas deles, centenas até; mas vou ficar em apenas oito:

¬ Foi uma surpresa ver, na primeira página do site Ego, o Thom Yorke pagando de garoto de Ipanema e levando suas pelancas para curtir a praia no Rio de Janeiro, no primeiro dia da banda no Brasil. Faço minhas as palavras da Ana Bean: “Eu nunca imaginei que o Thom Yorke tivesse uma bermuda. Muito menos que ele fosse à praia. Que ele pegasse jacaré então...”

¬ No dia seguinte ao show do Rio de Janeiro, Bruno Medina, tecladista do Los Hermanos, escreveu em seu blog que “foi um pouco sui generis testemunhar Thom Yorke requebrando as cadeiras enquanto tocávamos Morena na passagem de som”. Hã?

¬ Entre um ápice e outro do show em São Paulo, eram tensos os silêncios que hipnotizavam a plateia durante alguns momentos. Como descreveu bem a Ana Bean (de novo ela!) na Popload: “quando Thom Yorke ensaiou a primeira frase de Exit Music (For a Film), ninguém se mexeu ou resolveu cantar junto. Não tem como não se arrepiar com 30 mil pessoas… em silêncio.”

¬ Dava até para imaginar que alguma coisa estava errada quando algumas frases em português “invadiam” o show. Mas, em entrevista - a única dada em terras brasileiras - ao Edgard, do Multishow, o Thom Yorke explica que esse é um “hábito” da banda.

¬ A última música que eu imaginei ouvir ao vivo foi You And Whose Army, minha favorita de Amnesiac e uma das minhas preferidas da banda. Descobri, no set list divulgado pelo Multishow, que ela entrou na última hora. Sorte minha. O Thom Yorke tocando piano com raiva e brincando de aproximar o olho da câmera está entre os meus melhores momentos do show.

¬ O que foi o povo continuar cantando “come on rain down on me” depois que Paranoid Android terminou? E a banda lá, sem entender nada, com um olhando para a cara do outro e sorrindo como quem diz: “whatafuck?!”

¬ E teve Fake Plastic Trees. E nessas horas a gente parece bobo e jura que eles cantaram a música para nós – para mim, no caso. Uma pequena história: ouvi o nome do Radiohead pela primeira vez na coluna do Álvaro (sempre ele!). Mas só quando ele citou que eles estavam tocando até em comercial na tv foi que eu pesquisei e descobri que se tratava da minha propaganda favorita de todos os tempos: a do Carlinhos no carrossel. Foi assim, arrebatador. Um caminho sem volta. E agora aquela música ali, domingo, fazendo a minha espinha gelar.

¬ Por fim, tem aquelas coisas que o palco fez. Quando a gente vê notícias de crianças japonesas tendo ataques e morrendo na frente da tv, hipnotizadas pelos efeitos visuais de alguns desenhos animados, deve ser assim que acontece. Mas ali, no show do Radiohead, foi como uma moldura para o som. Para ficar em apenas um momento: o que foram os efeitos de luz em Creep? Como se já não bastassem os versos daquele refrão, os “golpes” de luz branca com listras coloridas eram de derrubar qualquer um. Fantástico, para dizer o mínimo.

Tem muita coisa, ainda; mas eu juro que teria que ficar aqui para sempre.

(A primeira foto é do Daigo Oliva - G1 - e a segunda do Flavio Florido - Uol)

Conversa de botas batidas

¬ Quando comprei o ingresso para ver o Radiohead no Just a Fest, nem sonhava com a possibilidade do Los Hermanos se reunir novamente para tocar no festival. E nem mesmo às vésperas do show eu me animei tanto com a apresentação dos caras. E tinha até uma certa opinião sobre esse oportuno “retorno” da banda.
¬ Mas a verdade é que deu até vontade de chorar ouvindo, da fila formada no lado de fora da Chácara do Jockey, eles tocarem Cara Estranho lá dentro. E deu muita raiva da organização do festival, pela escolha de um lugar tão longe de tudo. Deu raiva do Governo do Estado de São Paulo, responsável pelas obras que interditam parte das ruas de acesso ao lugar, tornando os congestionamentos gigantes. Raiva do trânsito de São Paulo, que nunca permite que você chegue na hora programada. Raiva de não ter saído mais cedo de casa. Quando finalmente me vi diante do palco, faltavam apenas cinco músicas para o final do show. E a vontade de que o tempo pudesse voltar era imensa. E a tristeza por não saber quando o grupo se reunirá novamente também.
¬ Do pouco que vi da apresentação, algo me pareceu estranho. Li alguma crítica dizendo que foi um show burocrático. Talvez seja essa a palavra. Mas vai ver que eu estava longe demais do palco para perceber qualquer coisa. Só sei que não pareceu muito com o que vi e vivi em outras apresentações da banda. Mas também sei que foi bonito e saudoso. Assim como foi bonito ver no blog do Bruno Medina ele dizer que “valeu a oportunidade de convivência nestas três semanas, de relembrar boas histórias, de tocarmos juntos novamente músicas que significam tanto para tanta gente, e de reviver a maravilhosa atmosfera que envolve qualquer show do Los Hermanos.” E que saudade que me dá dessa maravilhosa atmosfera. E que raiva que me dá por ter perdido uma oportunidade dessas.
(Na foto, de Flavio Florido - Uol -, os hermanos Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo)

Sobre os reis do pi pi pi

Três coisas antes...
¬ O nome do Kraftwerk sempre me faz lembrar, imediatamente, de notícias sobre a clássica capa da Spin em que eles apareceram diante da indagação: “Mais influentes que os Beatles?”

¬ O show que a banda fez no Free Jazz de 1998, em São Paulo, está no Top 5 de shows da vida do Lúcio Ribeiro. Ele – e não só ele – disse que os tios da eletrônica “assombraram” o Jockey Club.

¬ É indiscutível que eles praticamente iniciaram a música eletrônica como a conhecemos hoje. Em um texto de 2004, na Folha, por ocasião da segunda passagem da banda pelo Brasil, o Thiago Ney disse que é “humanamente impossível dissociar de qualquer coisa produzida eletronicamente nos últimos 30 anos a influência desses alemães, que injetaram na música o conceito ‘homem-máquina’”.

...e três depois.

¬ A imagem que eu sempre tive de uma apresentação do Kraftwerk estava associada a quatro figuras apáticas manuseando laptops no palco. No último domingo, na Chácara do Jockey, em São Paulo, tudo se confirmou. Nada me faz desistir da ideia de que eles simplesmente passaram 80 minutos navegando pela internet – quiçá brincando no MSN e no Orkut – enquanto o público travava uma luta insana contra o tédio para conseguir dançar e se animar com a ideia de que estava diante da “revolução”.

¬ Em algum momento do show, eu fui encontrar um amigo na “praça de alimentação” do lugar. Quando voltamos para a frente do palco, ele me perguntou onde estavam “os caras”. Eu expliquei que aquelas quatro sombras diante do telão, no centro do palco, eram eles. Ele jurou que pensou que fossem robôs. E talvez ele não estivesse tão enganado assim.

¬ Até que me provem o contrário, We Are The Robots é o que se pode chamar de ápice em uma apresentação do grupo. O número é o mesmo há séculos: eles saem do palco e são substituídos por robôs. O engraçado é que a música continua tocando do mesmo jeito, me deixando seriamente desconfiado de que eles realmente não fazem absolutamente nada diante daqueles laptops.

(Na foto, de Flavio Florido - Uol -, o Kraftwerk “tocando” em São Paulo, no Just a Fest)

quarta-feira, 18 de março de 2009

Um cara de modelo

Na capa da Vip deste mês, a da Sabrina Sato, tem uma chamada para um editorial de moda com o Ricardo Mansur com “5 looks pra ter o estilo pegador” no trabalho. Fácil. Pelo que eu entendi, depois de conferir as fotos, o segredo é mesclar costumes Ermenegildo Zegna e Armani com relógios Mido. Simples assim.

No texto, diz que o Mansur se diferencia do empresário tradicional, “talvez pelo berço de ouro”. Eu acho que ele se diferencia de qualquer mortal - e não apenas do empresário tradicional – por já ter namorado mulheres como Gisele Bündchen, Isabeli Fontana, Letícia Birkheuer e Luana Piovani.

Mas nem é isso o que mais me intriga. Se você já viu o cara em alguma revista ou programa na televisão, percebeu que, além do berço de ouro, ele, no dia a dia, só precisa contar com uma série interminável de camisetas pólo da Itaipava para pagar de pegador.
Além de empresário, o Mansur também é jogador de pólo. Apesar de eu não ter notícia sobre o que ele faz nessa sua última profissão, descobri na Vip que ele “seria considerado herói nacional se fôssemos nós a Argentina”. Sorte a nossa não sermos a Argenina, eu acho.

*Na foto, de Ângelo Pastorello, Mansur e um look de R$ 3 mil para dar pinta de pegador no trabalho.

Por que eu odeio "filmes de arte"

Cinemas que exibem filmes de arte são ambientes peculiares. Geralmente eles têm nomes de banco e geralmente são chamados de cinemas alternativos, mas são sempre uma alternativa mais cara para quem quer assistir a um filme chato em uma tela pequena.
A exemplo do que acontece com os shows da Madonna e os eventos de moda e os bazares do Alexandre Herchcovitch, há muitos gays em cinemas de arte. De todos os tipos e tamanhos. E também há muitos caras magros, desses com óculos de aros largos, camisetas pequenas e tênis velhos. Se bem que talvez eles sejam todos a mesma coisa.
Não tenho nada contra esse tipo de gente. Até porque, em uma cidade como São Paulo, conviver com eles é tão comum quanto conviver com terroristas muçulmanos, mágicos e equilibristas. Normal.
O que eu não suporto é quando essa gente se concentra em bandos na frente desses cinemas para fazer comentários subjetivos sobre filmes que todo mundo odeia, inclusive eles, mas não pode falar.
Isso porque, quem gosta de filmes de arte precisa – além de gostar - dizer que gosta. Não basta ter visto tudo do Godard ou conhecer a obra de Fellini como a palma da mão, é preciso comentar em blogs ou entrar em comunidades que afirmam isso no Orkut. Ou participar de palestras e mostras sobre o tema – e balançar a cabeça em sinal de afirmação quando alguém estiver falando sobre o tema. E suspirar, muito. Também é preciso ler a Bravo! e usar camisetas com cartazes de filmes, ainda que tudo o que você realmente conheça sobre o dito “cinema alternativo” seja O Fabuloso Destino de Amélie Poulain.
Há poucos dias, fui ao Espaço Unibanco de Cinema, em São Paulo, assistir ao turco Três Macacos. Ouvi dizer que seria uma boa oportunidade para conhecer o cinema daquele país. Mas a única coisa que o filme conseguiu foi me deixar curioso sobre como pronunciar corretamente o seu título original: Uç Maymun. De resto, são mais de cem minutos de vida desperdiçados.
Uma coisa que eu nunca consegui assimilar é o porquê dos atores de filmes de arte serem tão feios. Ô povo maltratado, meu Deus! E o que é pior: quanto mais feio, mais necessidade de aparecer pelado eles têm. Vai entender... Pensa bem: por um cachê de US$ 10 milhões, uma atriz consagrada de Hollywood sequer paga peitinho em um filme. Mas em um “aventura alternativa” cujo orçamento total não chega a metade disso, ela mostra até o útero.
Mas voltando a Três Macacos, eu diria que é muito silêncio para um filme só. Praticamente um regresso ao cinema mudo. Entre um diálogo e outro, dá até para ir ao banheiro ou buscar uma pipoca; isso se alguém comesse pipoca nos cinemas de arte. Lá, o que pega é um café (caro) antes da sessão e outro depois. Ou, quem sabe, uma garrafinha de água mineral para se hidratar durante o filme.
Mais que boas histórias ou roteiros amarrados, filmes exibidos em cinemas alternativos precisam ter subjetividade; muita subjetividade. Nem que para isso ele não se faça entender por ninguém além do seu próprio diretor. Mas ninguém precisa se constranger, basta apanhar sua garrafa de água e sair da sala de cinema pisando forte e elogiando a luz do filme. Também vale exaltar as cores da obra, a fotografia sublime, a melancolia nas expressões dos atores e a profundidade dos diálogos - ainda que esses se reduzam a meia dúzia de frases trocadas durante todo o filme.
*A imagem é de Três Macacos.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Uma pena

Não vi o Oscar este ano. Não tenho TNT em casa. Acompanhei a premiação pela internet, no blog da Ana Maria Bahiana, enquanto assistia ao desfile das escolas de samba na televisão.
Dos cinco concorrentes ao prêmio de Melhor Filme, eu só vi Quem Quer Ser um Milionário? e O Curioso Caso de Benjamin Button. Os outros três ainda não chegaram aos cinemas de Ribeirão Preto. Eu também não sei se os verei um dia. Muita preguiça e desinteresse. Benjamin Button me deu sono, muito sono. O filme não decola. Não consegui desassociá-lo de Titanic. Aquela velha lembrando a história, as metáforas pobres, o roteiro sofrível. Deu até para rir na cena do relógio sendo atingido pela enchente causada pelo Katrina, no final. Lembrei do navio afundando. Também não consegui entender a indicação do Brad Pitt para o Oscar de Melhor Ator.
Quem Quer Ser um Milionário? é um daqueles mistérios que ninguém explica. De tão tosco, o filme ofende. É uma espécie de Cidade de Deus, mas (bem) piorado. Piegas. O triste é pensar que - em tese - a consagração do filme pelo Oscar o dignifica a representar o que houve de melhor nas telas no ano passado.
Em artigo na Folha, o João Pereira Coutinho disse que “o Oscar deste ano confirma (...) que a moderna ficção televisiva substituiu há muito, em inventividade e desafio, o papel visual e narrativo que o cinema teve durante um século”. Brilhante.
As coisas no cinema andam muito triviais.
É uma pena, uma grande pena.
*Na imagem, Penélope Cruz e o abraço mais doce da noite, direto do blog da Ana Maria Bahiana.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Homens grandes com camisetas pequenas

Eu não conhecia Zane Lowe até há poucos minutos. Mas já não gosto dele.

Em um primeiro momento, tudo o que eu soube sobre Zane é que ele é um cara pretensioso, usa óculos pretos de aros largos e se esforça bastante para parecer amigo de infância do Franz Ferdinand. Agora, eu também sei que ele é VJ da MTV britânica e DJ da BBC Radio One. E nem assim ele me pareceu alguém melhor.

Descobri o apresentador graças ao Zane Meets Franz Ferdinand, que a MTV brasileira acabou de exibir. No programa, Zane conversa com Alex Kapranos e Nick McCarthy, da banda escocesa.

O Franz Ferdinand é uma boa banda. Muito boa, na verdade. Ao lado dos Strokes e do White Stripes, é uma das melhores surgidas nesta década. E é também com essas duas que eles figuram entre as bandas mais bem vestidas de todos os tempos.

A primeira música que ouvi do Franz Ferdinand foi Take Me Out. Em 2004, acho. Dois anos depois, vi um show deles no Brasil. Na verdade a banda veio abrir para o U2, no Morumbi, mas eu fui ao show mesmo foi para ver os caras, que haviam acabado de lançar seu segundo disco.

Foi uma frustração. Tocando meia dúzia de músicas no volume mínimo, eles não conseguiram fazer mais barulho que o bando de gente estranha que esperava pela atração principal da noite. Com a banda ocupando um espaço minúsculo na frente do palco, e com as luzes do estádio todas acesas, a única coisa de que me lembro bem do show é de um grupo de moleques bêbados com coroas de cartolina do Burger King pulando sem parar e cantando Do You Want To no meio da pista.

Alguns meses mais tarde, eles voltaram ao país como atração principal de um festival. Eu não fui. Antes de um show no Rio de Janeiro, dessa segunda vez, Kapranos, dizem, foi a uma pizzaria em Copacabana e pediu uma especial, fora do cardápio, com espinafre, azeitonas, salame e um ovo por cima.

O vocalista com o sotaque mais sensacional do novo rock é também gourmet e já assinou uma coluna sobre o assunto no The Guardian. Os textos inspiraram o livro Mordidas Sonoras (Conrad), onde ele narra aventuras gastronômicas enquanto dá duas voltas e meia ao redor do planeta excursionando com sua banda. Há um capítulo inteiro dedicado a uma experiência em um rodízio de carnes no Rio.

Voltando ao irritante Zane Lowe, meu novo adversário número um, com exceção dos vários trechos de clipes exibidos da banda, Zane Meets Franz Ferdinand teve um único momento bom: o Desafio do Queijo. Pelo que notei, o quadro, em que a banda convidada precisa falar o maior número possível de nomes de queijo em 20 segundos, é fixo. Não me lembro qual é o artista recordista, mas parece que ele apontou 19 nomes. O Franz Ferdinand falou 11.

Ainda não ouvi o novo álbum dos caras, Tonight: Franz Ferdinand. No programa do Zane, vi o clipe de Ulysses, o primeiro single do disco. A música é boa. Muito boa, na verdade. Um transe. O vídeo é lisérgico. E incrível. É ótima a parte em a banda aparece tocando e pulando sobre camas de um quarto de hotel. E também quando o baterista Paul Thomson bate com as suas baquetas na parede. E as cenas na lavanderia.

São legais, ainda, os ternos pretos com faixas brancas nas beiradas que os músicos vestem no clipe. E também os passos de dança que eles fazem enquanto cantam sobre o tal Ulysses, pedindo mais intensidade.

No restante do programa, entre um devaneio e outro, o figura do Zane só ficou disparando citações e lembrando histórias da banda da maneira mais arrogante possível. No melhor jeito Xuxa de entrevistar alguém, fez de tudo para afirmar sua intimidade com os caras e não poupou elogios constrangedores. Também falou sobre o que diversos artistas já disseram sobre o Franz Ferdinand. E lembrou de um rapper – acho – que definiu os indies como homens grandes com camisetas pequenas. Que eu me lembre, foi a única frase que pareceu divertir honestamente Kapranos e McCarthy.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Aquecimento

Mais uma vez Woody Allen. E dessa vez acompanhado da mais bela entre as belas indicadas ao Oscar deste ano: Penélope Cruz. A atriz e o diretor foram clicados juntos pela fotógrafa Annie Leibovitz para a edição de março da Vanity Fair, que traz o Obama na capa.
No próximo domingo de carnaval, a espanhola concorre ao prêmio de melhor atriz coadjuvante por Vicky Cristina Barcelona, de Allen. Ainda não vi o filme - as comédias do diretor não costumam me interessar. Dessa vez, no entanto, três bons motivos me dão vontade de fazê-lo. Penélope é um deles. Scarlet Johansson e Javier Bardem os outros dois.
No sensacional ensaio da Vanity Fair, que eu descobri no blog da Ana Maria Bahiana, Leibovitz retratou dez parcerias de sucesso entre atores e diretores que ajudaram a gerar duas dúzias de indicações para o Oscar deste ano. Além de Penélope e Allen, há belas imagens que reúnem Sam Mendes e Kate Winslet, Gus Van Sant e Sean Penn e John Patrick Shanley e Meryl Streep, entre outros.
Por ironia, a mais emblemática das fotos é uma montagem. No retrato forjado, o diretor Christopher Nolan, de Batman: O Cavaleiro das Trevas, divide a cena com Heath Ledger, que concorre ao prêmio póstumo de melhor ator coadjuvante pelo papel do Coringa no filme. O primeiro foi fotografado por Annie Leibovitz em 2008, o segundo em 2005.
Palavras da Ana Maria Bahiana sobre a foto: “A vida é amiga da arte, e maior que a morte.”

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Síndrome do russo

Não conheço tanto quanto deveria o trabalho do Woody Allen. Vi poucos de seus filmes e ainda não li um único livro seu. Mas insisto em pensar que o diretor tem estado bastante intrigado com a obra do Dostoiévski quando resolve deixar - sabiamente - suas comédias de lado. Depois do petardo que foi Match Point, agora ele veio com O Sonho de Cassandra, que eu assisti ontem. Filmaço. O mesmo clima tenso do outro, mas diferente. Muitas (e boas) referências à obra do escritor russo, mais uma vez. Não é tão bom quanto Match Point, mas seria muita arrogância nivelar cada novo drama de Allen a partir do que foi esse filme: sem comparações. Em O Sonho de Cassandra, Colin Farrell está bom como jamais esteve. E Ewan McGregor perfeito, no papel de Ian. Intrigante. Descontados uns e outros deslizes de caráter, deu até inveja do personagem, vontade de ser como ele. Do mesmo jeito que me ocorreu com o Chris, de Jonathan Rhys Meyers, em Match Point. A diferença é que naquele filme o bem vestido da história era Tom, o amigo abastado do Chris. Agora, a coisa nesse ponto pega mesmo é com o Ian e o melhor figurino de que se tem notícia na história do cinema.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O brilho eterno da rosa

Imediatamente depois de terminar de ler As Correções, e ainda sob o efeito do procedimento que arrancou fora o meu rim esquerdo, mergulhei em Rua da Revolução, de Richard Yates. Na verdade eu deveria dizer que mergulhei em Foi Apenas um Sonho – era esse o título na capa do livro, recém editado no Brasil pela Alfaguara -, mas gosto da ideia de não chamá-lo assim.
Revolutionary Road, no original, foi lançado em 1961 nos Estados Unidos. No ano passado, sob o mesmo título, sua adaptação para os cinemas estreou por lá. Agora, o filme chegou ao Brasil com o nome Foi Apenas um Sonho. Nada mais previsível, portanto, que a editora pegar carona no longa e mudar o título do romance por aqui também. De bônus, o leitor brasileiro ainda ganha uma capa que reproduz o cartaz do filme.
Rua da Revolução, o livro, não se furta de mostrar que, invariavelmente, as coisas dão errado na vida de um casal. Foi o diretor Sam Mendes (de Beleza Americana) que resolveu adaptar a história para o cinema. Para o papel de April, a protagonista, escalou sua mulher na vida real: a sensacional Kate Winslet – cujo título de sensacional lhe seria garantido ainda que todos as obras de sua filmografia fossem limadas e mantidas apenas Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e Pecados Íntimos. Para o papel de Frank, o marido, o escolhido foi Leonardo DiCaprio. Rose e Jack, de Titanic, juntos novamente.
Ainda não assisti a Foi Apenas um Sonho e provavelmente demorarei a fazê-lo. Em grande parte porque não é de praxe filmes entrarem em cartaz em Ribeirão Preto – onde estou agora – ao mesmo tempo em que estréiam em outros lugares do Brasil. Ao menos do Brasil ideal. Mas essa é outra história.
O caso aqui é o livro.
No final das contas, você não consegue imaginar que alguém que não a Kate Winslet pudesse dar vida à April. Ainda que traído pela constatação de que a história já uma realidade no cinema tempos antes de eu sonhar em ler o livro, sou capaz de jurar que a April de Yates, trazida à tona nos anos 60, sempre teve a exata cara, corpo e gestos da Kate Winslet. Ou pelo menos daquela Kate Winslet travestida de April, que por ora eu só vi nos trailers e nas imagens de divulgação. Tudo daqui desse lugar que, a exemplo do condomínio em que o casal Frank e April afundaram seus sonhos, está distante de um país ideal.

*A primeira imagem é do filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, onde Kate é Clementine, a eterna garota do Jim Carrey. E dos cabelos coloridos. A segunda, feita pelo Tom Perrotta, foi publicada na revista do New York Times e mostra Winslet se preparando para a festa do Globo de Ouro, onde ganhou o prêmio de melhor atriz coadjuvante, por O Leitor, e melhor atriz de drama, por Foi Apenas um Sonho.

A correção

A história da desajustada família Lambert e uma laparoscopia. Para mim, duas realidades completamente dissociáveis. Para sempre.
Os Lambert estão no centro do livro As Correções, de Jonathan Franzen. O calhamaço com 600 páginas e, consequentemente, os Lambert, foram meus fieis companheiros durante o processo de recuperação do procedimento cirúrgico que arrancou fora o meu rim esquerdo. Daí a associação.
Eu soube do livro há apenas alguns dias, pelo blog do Zeca Camargo. Ele falou da obra quando falava, na verdade, do filme francês Um Conto de Natal, de Arnaud Desplechin. De tão irresistível que me parecera a ideia do filme, no mesmo dia em que li o texto corri para um daqueles cinemas caros e descolados de São Paulo onde ele estava sendo exibido em uma única sessão por dia. Com pouca paciência, 150 minutos mais tarde, cheguei à conclusão de que o esforço não valera a pena; e de que eu devo gastar menos dinheiro com amenidades.
No texto em seu blog, Zeca dizia que o filme o fizera lembrar “um dos seus livros favoritos de todos os tempos”. Foi o bastante para que a minha curiosidade pelo tal livro - esse As Correções - se vertesse em algo irresistível. A sorte de encontrar um exemplar novo da obra, por um terço do seu preço de tabela, em um sebo virtual, foi o momento derradeiro.
Basicamente, tanto o filme quanto o livro tratam sobre reuniões de Natal. No caso de As Correções, o fio condutor da história está na preparação de um Natal contada por narrativas individuais sobre cada membro de uma família americana do Meio-Oeste – os Lambert. Já o caso de Um Conto de Natal é assunto para aquelas insuportáveis mesas de debate em cinemas de arte.
Logo no início, as duas frases que abrem o livro dão o tom do texto com que Franzen irá expor a crise de valores dos Lambert: A loucura de uma frente fria de outono avançando pela pradaria. Dava para sentir: alguma coisa terrível a ponto de acontecer. No entanto, apesar do início arrebatador causado pela primeira dezena de páginas, em um segundo momento a obra esteve à beira de frustrar minhas melhores expectativas. Por um longo momento.
Muito provavelmente porque, já na leitura dos textos da orelha e da quarta página, tudo conspirava para que eu acreditasse ser esse o novo livro da minha vida. Uma família definhando, personagens escolhidos a dedo, um texto primoroso. Tudo a favor.
Mas a história é longa. Muito, muito longa. Tanto que eu só consegui me conformar com a extensão do conto quando estava a 100 páginas do final. Foi quando eu senti, de fato, minha pressão arterial se render ao ritmo do desfecho alucinante da história. Ali, onde tudo descamba no tão aguardado Natal em Saint Jude, evento que a perturbada matriarca da família, Enid, planeja durante toda a história, eu me rendi definitiva e completamente. E finalmente concordei que o extremo detalhismo de todo o romance serve para que o leitor chegue no principal momento do livro íntimo e apaixonado por cada um dos incríveis personagens criados por Franzen.
O efeito do seu experimentalismo é arrebatador. E olha que arrebatar um leitor com a barriga inchada por gases injetados artificialmente – exigência do procedimento, me garantiram – não é pouca coisa. Some a isso uma dúzia de pontos que parecem a um passo de estourar e dor, muita dor.

Em um determinado momento da história de As Correções, Alfred, o patriarca da família Lambert, despenca do oitavo andar de um transatlântico em pleno oceano. Arrebentado, ele diz que a única coisa que teve ferida na tragédia foi a sua dignidade. Fora do livro, o incômodo de uma sonda de borracha atravessando minha uretra até a bexiga me faz rever questões acerca de dignidade. Uma espécie de dignidade que tem a ver com a perda de um rim com pouco mais de 60 centímetros cúbicos e o uso de uma camisola velha da Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto.
Mas voltando à história de As Correções, eu diria que a coisa começa a ficar boa mesmo a duas linhas do penúltimo capítulo: Um Último Natal. Na página 471, as frases que encerram o capítulo anterior a esse dão um nó no estômago que só será desamarrado bem mais à frente. Mas já (bem) antes disso, na 475, a tragédia do Natal da pobre Enid começa para valer. Seja no seu neurótico ritual de escrever dezenas de cartões de Natal ou na melancólica contemplação das janelas de sua casa, onde ela “tem uma aparência menos real do que gostaria”, a matriarca dos Lambert rouba para si uma história permeada por tantos bons personagens.
Ao final, descobrimos, tão fracassados quanto ela, que toda a correção de Enid tinha sido em vão. É ali, no último parágrafo, ainda que o fracasso de tudo já não fosse mais novidade, que nossas convicções daquilo que é ideal em uma vida imperfeita escorrem pelo ralo. Feito excrementos de uma nefrectomia ou gases sujas de sangue.
Com um humor tão desconcertante e personagens tão profundos, dá até para pensar que estamos diante de gente de carne e osso em As Correções. Um livro que de tão perfeito chega a dar pena de ter que associá-lo a um evento marcado por mangueiras finas por onde escorrem soro e analgésicos. Ou por enfermeiras que falam alto.
No livro, o começo é fantástico e o final arrebatador. Do outro lado da história, a dor é latejante – e graças a Deus decrescente - onde antes havia um rim.
Agora, é só um vazio que arde e apunhala. Como aqueles que a infelicidade cria roubando os sonhos despedaçados de gente dada ao fracasso. De gente com o sobrenome Lambert. De gente como eu e você.

*A primeira imagem é a reprodução de uma ultra-sonografia do meu pequeno esquerdista antes da sua extração. A segunda é uma fotografia do autor de As Correções, Jonathan Franzen.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Um pequeno milagre

Há alguns anos, o Lúcio Ribeiro reproduziu em uma coluna um texto do Nick Hornby. Na verdade um artigo que o escritor publicou na revista inglesa Granta e depois no livro 31 Canções. O relato de sua paixão arrebatadora pela canção I´m Like a Bird, da cantora luso-canadense Nelly Furtado.
Em algum momento, Hornby diz que “o ponto é que há poucos meses a canção não existia e agora ela está aí. E que ela, em um mundo delimitado, é um pequeno milagre.”
Avançando um pouco, ele continua: “um punhado de canções novas como I'm Like a Bird e você terá uma vida que valha a pena ser vivida.”
Venho lembrando do texto há alguns dias, desde que decidi escrever algo sobre o Little Joy, banda formada pelo Fabrizio Moretti (The Strokes) e pelo Rodrigo Amarante (Los Hermanos). Na verdade eu nunca quis escrever algo sobre a banda, mas sobre uma música deles: Brand New Start. Uma canção que há poucos meses não existia e agora está aí.
Como acontecia com o Hornby – e sua I´m Like a Bird - tenho que ouvi-la – a do Little Joy - dez ou 15 vezes por dia. E a cada nova audição, de alguma maneira, vem aquele mesmo estranho sentimento: uma vida que vale a pena ser vivida.
O Nick Hornby disse que I´m Like a Bird era uma canção pop muito boa, que transmitia uma sensação gostosa de sonho. Tomo emprestada a expressão do autor inglês para dizer que Brand New Start é um pequeno milagre.
É uma música feliz. E canções assim, geralmente, não me tomam de assalto. Mas dessa vez foi tudo diferente. Está tudo ali: o Amarante repetindo que não existe uma garota como a sua, falando de um novo começo, a melodia grudenta e o coro alegre no fundo. Três minutos de êxtase.
Hornby disse que seria grato a Nelly Furtado por criar nele o narcótico efeito de ouvir uma canção de novo e de novo. Agradeço ao Little Joy.
Hoje, antes de escrever, vi um novo texto que o Zeca Camargo publicou em seu blog. Ele repete uma história sobre o filósofo Isaiah Berlin contada pelo escritor Julian Barnes em seu novo livro - Nothing to be Frightened Of. O texto, traduzido pelo Zeca, diz assim:
“Música para mim está sempre associada a otimismo. Eu tive uma sensação imediata de camaradagem quando li que um dos prazeres da velhice de Isaiah Berlin era comprar ingressos de concertos com vários meses de antecedência (eu sempre o via, no mesmo camarote no Festive Hall). Ter as entradas, de alguma maneira, é uma garantia de que você vai ouvir a música e prolonga sua vida pelo menos até que o último eco das cordas finais que você pagou para ouvir desapareça”.
Fácil de se identificar. Principalmente sob o efeito da apresentação que o Little Joy fez ontem no Clash, em São Paulo, para abrir sua turnê brasileira.
Brand New Start foi escolhida para encerrar a noite. Ficou para o bis do show, que atrasou mais de duas horas e durou quarenta minutos. Também teve cover do Kinks e o Fabrizio cantando e falando besteiras – mais feliz do que nunca.

Além de contar com uma banda de apoio no palco, o grupo ainda é formado pela Binki Shapiro. Quando canta Unattainable, tímida e fingindo estar nem aí, ela me lembra a Meg White, do White Stripes, cantando In The Cold Cold Night. Por outra razão que eu também não consigo explicar, Brand New Start me lembra Wounld’t It be Nice, dos Beach Boys, outra fantástica canção pop.
O Little Joy não chega a ser uma banda incrível. E a intenção não deve ser essa mesmo. Mas quando estão no palco, eles fazem a gente acreditar que são incríveis justamente por se comportarem como se estivessem brincando na garagem de casa.
Tocando música pop com muita energia e sinceridade. E transmitindo uma sensação gostosa de sonho. Foi fazendo tudo isso que ontem, durante 40 minutos, eles conseguiram parecer melhores do que jamais foram no CD.
Em um mundo delimitado, é um pequeno milagre.

*A primeira foto é uma polaroid do blog Gorilla vs Bear. A segunda é do Daigo Oliva, para o G1.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Mundo estranho

Em artigo publicado na Exame, Bill Emmott, ex-editor da revista britânica The Economist, disse que Obama vai decepcionar. É esse o destino dos políticos, acredita Emmott. Para ele, o poder do novo presidente dos Estados Unidos é menor do que parece.
Reinaldo Azevedo, melhor blogueiro do Brasil, disse que detesta a palavra “mudança” tomada como categoria política. “Daí deriva o meu pé atrás com Barack Obama”, escreveu.
Sabem das coisas, esses.
Ou eu sou muito insensível ou há um certo exagero no crédito que as pessoas vêm dando a Obama. Um ex-senador – como alguém já apontou – que jamais aprovou uma lei, mas escreveu duas autobiografias antes de se candidatar à presidência dos EUA.
É esperado que o homem escolhido para ocupar o cargo mais importante da maior potência do planeta seja, por si só, alguém que desperte a atenção de (quase) qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Fora isso, o fato de um negro, ainda por cima com sobrenome Hussein e filho de um queniano, chegar ao mais alto posto do governo norte-americano é um acontecimento sem precedentes e, por isso, histórico.
Mas daí para essa catarse coletiva é um pouco de exagero.
Na semana passada, a Folha publicou um artigo da atriz, e agora jornalista, Taís Araújo. “Faltando uma semana para Barack Obama ser oficializado presidente dos Estados Unidos da América, decidi que iria me juntar à multidão e assistir de perto a um dos grandes momentos da história”, escreveu, direto de Washington. No auge da sua pieguice, ela dispara: “Após toda dificuldade e quase ter perdido a esperança, eu vi o homem que o mundo espera que seja o representante e defensor de um novo tempo.”
Estranho mundo, esse.

*O Obama com pinta de Clark Kent transformando-se em Superman foi desenhado pelo quadrinista Alex Ross.

O pai do Julian

Fundador da agência de modelos mais famosa do mundo, a Elite, John Casablancas ficou conhecido por alçar ao estrelato modelos como Gisele Bündchen, Naomi Campbell, Cindy Crawford e Linda Evangelista, para ficar só em alguns nomes. Mas a verdade é que John também merece ser reconhecido pelo que fez de melhor: seu filho Julian Casablancas, vocalista e principal letrista dos fabulosos Strokes.
Terminei hoje de ler a autobiografia de Casablancas - o pai. O nome é Vida Modelo (Agir). É um livro ruim.
Já passa da página 133 quando ele finalmente começa a narrar sua incrível viagem – que já dura mais de 30 anos - pelo mundo da moda. “A mediocridade dos outros me fez aparecer como genial”, diz, num momento comum de imodéstia. Antes disso, o livro faz um apanhado interminável da relação do empresário com a sua família, passando pela história dos seus antepassados e (principalmente) pelas suas aventuras amorosas e financeiras mundo afora - uma história incrível, é verdade, mas que se arrasta por um texto arrogante e cansativo, que nem a colaboração da sempre boa Ana Maria Bahiana salvou.
Casablancas leva páginas e páginas para contar em detalhes, por exemplo, os oito anos que passou no Institut Le Rosey, o internato mais antigo da Suíça. Mas a única história interessante sobre o lugar ele conta em único parágrafo: Julian, seu filho, também estudou lá. E odiou. Mas, segundo seu pai, não foi uma perda de tempo completa: foi no Rosey que ele conheceu Albert Hammond Jr., com quem fundou os Strokes.
Entre detalhes sobre a sua inimizade com Gisele Bündchen e revelações sobre os animados bastidores do mundo da moda – com direito a episódios envolvendo Naomi Campbell, Kate Moss, baseados e afins -, John recorda o dia em que o seu filho lhe pediu 2 mil dólares emprestados para produzir a fita demo de sua banda. Tempos depois, voltou com Last Nite pronta. Além de se tornar fã dos Strokes, John conta que nos primeiros shows que eles fizeram em barzinhos undergrounds de Nova Iorque, ele, sua mulher brasileira Aline e os funcionários da Elite eram muitas vezes a única plateia presente. “Não consigo expressar por completo o orgulho que sinto cada vez que vou a um show e vejo aquele cara selvagem e talentoso cantando suas próprias músicas, divinamente, no palco. É o meu filho, e não tenho a menor ideia de onde ele tirou esse talento incrível”, escreve.
Vida Modelo também traz muitas, muitas fotos. Depois de ver algumas delas, pescadas dos álbuns de família, dá até para desconfiar da espontaneidade de Julian como o cara mais bem vestido do rock. Em uma delas, por exemplo, ele aparece abraçado à Juliet, sua mulher, vestindo o improvável conjunto camiseta do Flamengo, jaqueta do Metallica, correntinha no pescoço e cabelo careta. Está lá, no alto da página 398.

Uma última observação: Não sei se o problema é da idade - eu posso estar ficando cego! - ou se a direção de arte e design do livro errou feio: é muito difícil - literalmente - ler a obra. A diagramação do texto é ruim e as fontes - inclusive das legendas - são todas minúsculas e de pouca legibilidade.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O açougueiro superstar

Acabei de ler Dexter: A Mão Esquerda de Deus, de Jeff Lindsay, primeiro livro lançado no Brasil sobre o serial killer mais gente boa do showbiz. A obra inspirou a série de televisão.
Ainda estou assistindo a terceira temporada, que terminou no final do ano passado nos EUA. Ela vem conseguindo ser ainda mais genial e criativa que a segunda. Tudo porque manteve o que a anterior tinha de melhor - os bons diálogos, o roteiro alucinante e os personagens mais densos e curiosos que alguém pode imaginar, para ficar em apenas três pontos – e dispensou alguns exageros. Agora, parece, o que se quer é mostrar um Dexter mais humano.
O livro, por sua vez, é só uma boa ideia que se arrasta por um texto pobre e piegas.
Lindsay criou um personagem incrível – ainda assim, bem menos incrível que aquele mostrado na tv. E só. Na história impressa, os desfechos são outros - sempre piores e mais previsíveis que os da série.
Há algo de bom na experiência de ler A Mão Esquerda de Deus: notar que de um suspense juvenil e sem brilho como esse alguém consegue extrair um roteiro tão tenso e de fino humor negro como o do programa.