quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Um pequeno milagre

Há alguns anos, o Lúcio Ribeiro reproduziu em uma coluna um texto do Nick Hornby. Na verdade um artigo que o escritor publicou na revista inglesa Granta e depois no livro 31 Canções. O relato de sua paixão arrebatadora pela canção I´m Like a Bird, da cantora luso-canadense Nelly Furtado.
Em algum momento, Hornby diz que “o ponto é que há poucos meses a canção não existia e agora ela está aí. E que ela, em um mundo delimitado, é um pequeno milagre.”
Avançando um pouco, ele continua: “um punhado de canções novas como I'm Like a Bird e você terá uma vida que valha a pena ser vivida.”
Venho lembrando do texto há alguns dias, desde que decidi escrever algo sobre o Little Joy, banda formada pelo Fabrizio Moretti (The Strokes) e pelo Rodrigo Amarante (Los Hermanos). Na verdade eu nunca quis escrever algo sobre a banda, mas sobre uma música deles: Brand New Start. Uma canção que há poucos meses não existia e agora está aí.
Como acontecia com o Hornby – e sua I´m Like a Bird - tenho que ouvi-la – a do Little Joy - dez ou 15 vezes por dia. E a cada nova audição, de alguma maneira, vem aquele mesmo estranho sentimento: uma vida que vale a pena ser vivida.
O Nick Hornby disse que I´m Like a Bird era uma canção pop muito boa, que transmitia uma sensação gostosa de sonho. Tomo emprestada a expressão do autor inglês para dizer que Brand New Start é um pequeno milagre.
É uma música feliz. E canções assim, geralmente, não me tomam de assalto. Mas dessa vez foi tudo diferente. Está tudo ali: o Amarante repetindo que não existe uma garota como a sua, falando de um novo começo, a melodia grudenta e o coro alegre no fundo. Três minutos de êxtase.
Hornby disse que seria grato a Nelly Furtado por criar nele o narcótico efeito de ouvir uma canção de novo e de novo. Agradeço ao Little Joy.
Hoje, antes de escrever, vi um novo texto que o Zeca Camargo publicou em seu blog. Ele repete uma história sobre o filósofo Isaiah Berlin contada pelo escritor Julian Barnes em seu novo livro - Nothing to be Frightened Of. O texto, traduzido pelo Zeca, diz assim:
“Música para mim está sempre associada a otimismo. Eu tive uma sensação imediata de camaradagem quando li que um dos prazeres da velhice de Isaiah Berlin era comprar ingressos de concertos com vários meses de antecedência (eu sempre o via, no mesmo camarote no Festive Hall). Ter as entradas, de alguma maneira, é uma garantia de que você vai ouvir a música e prolonga sua vida pelo menos até que o último eco das cordas finais que você pagou para ouvir desapareça”.
Fácil de se identificar. Principalmente sob o efeito da apresentação que o Little Joy fez ontem no Clash, em São Paulo, para abrir sua turnê brasileira.
Brand New Start foi escolhida para encerrar a noite. Ficou para o bis do show, que atrasou mais de duas horas e durou quarenta minutos. Também teve cover do Kinks e o Fabrizio cantando e falando besteiras – mais feliz do que nunca.

Além de contar com uma banda de apoio no palco, o grupo ainda é formado pela Binki Shapiro. Quando canta Unattainable, tímida e fingindo estar nem aí, ela me lembra a Meg White, do White Stripes, cantando In The Cold Cold Night. Por outra razão que eu também não consigo explicar, Brand New Start me lembra Wounld’t It be Nice, dos Beach Boys, outra fantástica canção pop.
O Little Joy não chega a ser uma banda incrível. E a intenção não deve ser essa mesmo. Mas quando estão no palco, eles fazem a gente acreditar que são incríveis justamente por se comportarem como se estivessem brincando na garagem de casa.
Tocando música pop com muita energia e sinceridade. E transmitindo uma sensação gostosa de sonho. Foi fazendo tudo isso que ontem, durante 40 minutos, eles conseguiram parecer melhores do que jamais foram no CD.
Em um mundo delimitado, é um pequeno milagre.

*A primeira foto é uma polaroid do blog Gorilla vs Bear. A segunda é do Daigo Oliva, para o G1.

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