Gostei demais de Onde os Fracos não Têm Vez. Já disse antes. Mas até pegar o livro Onde os Velhos não Têm Vez nas mãos, hoje, não achava que me interessava ler a obra da qual o longa foi adaptado.
Só até pegá-lo nas mãos.
Li alguns trechos na livraria. O texto, econômico e tenso, conquista nos primeiros minutos. Apunhala. Comprei o livro e engatei sua leitura nas horas seguintes. Terminei. 252 páginas. Sem respirar.
Até a primeira metade, fui perdendo um pouco da empolgação. Não conseguia me desprender das imagens do filme. Bastava que uma ação fosse minimamente diferente daquela que eu vi nas telas para eu perder a concentração. Voltava a leitura e tentava me desvencilhar do longa. Difícil. O filme me arrebatou de maneira descomunal e ainda é recente demais na minha cabeça. Impossível separar. Alguém deve estar certo quando diz que bons livros e bons filmes - quando os segundos são adapatados dos primeiros - acabam se estragando quando são vistos e lidos – ou lidos e vistos – em um mesmo curto espaço de tempo. Verdade.
Não foi suficiente para eu gostar menos do texto e da história escrita por Cormac McCarthy (foto). Venci a impaciência. Virei fã desse autor. Preciso conhecer toda sua obra. Preciso conhecer pelo menos algo mais da sua obra. Algo que ainda não tenha virado filme.
É curioso constatar o que o roteiro dos irmãos Coen deixou de fora da adaptação. É curioso como isso torna o filme ainda mais genial. Igualmente econômico e tenso, sem arestas. O livro traz mais da história. Na medida exata. Não deixa sobras, mas traz mais.
“O mundo que vi não fez de mim uma pessoa espiritualizada”, diz o Xerife em um determinado momento do livro. Sua espiritualidade e seu horror diante da miséria humana são filosoficamente explorados no texto. O fato dele, o texto, praticamente não trazer vírgulas, chega a soar estranho. Mas com o tempo você entende. Quem é que precisa delas? A narrativa toda é quase um sussurro. Agonizante a aterrorizador. Sem tempo para vírgulas ou devaneios. Na medida exata da miséria humana.
domingo, 16 de março de 2008
sexta-feira, 14 de março de 2008
A decadência de Niemeyer
Chegou a Brasília a exposição Oscar Niemeyer: Arquiteto, Brasileiro, Cidadão. A mostra é uma homenagem aos 100 anos do homem que desenhou a capital brasileira.
O catálogo do evento diz que setenta anos de inovação arquitetônica e surpresa inesgotáveis tornam o arquiteto o único brasileiro a ser lembrado no século XXX. O Brasil nunca teve muito do que se vangloriar mesmo.
Niemeyer é uma figura única. Daquelas que acabam sempre parecendo maiores que a sua própria obra, ainda que o que digam seja exatamente o contrário.
Brasília também é única e, apesar dos percalços de desigualdade que a modernidade suplantou à cidade perfeita, continua imperando como um verdadeiro museu de arquitetura ao ar livre. Isso ao menos na área ocupada pelo Planalto Central, uma ilha de fantasia rodeada de pobreza e violência.
Em uma entrevista à Playboy, há alguns meses, o colunista Diogo Mainardi disse que esteve apenas uma vez na cidade e achou tudo muito decadente. Esse é o ponto. Os belos desenhos de Niemeyer, vertidos à realidade em pleno cerrado, se deterioram e se esgotam com o tempo. Encardidas por fora, por dentro as construções são desconfortáveis, antiquadas e feias. Tudo muito decadente.
A imagem que ilustra a capa do catálogo é do Museu Nacional (foto), inaugurado recentemente no igualmente novo Conjunto Cultural da República. Diferentemente do que diz o texto, não há nada de inovador ali naquela construção. Sua forma, semelhante à de um capacete, é exatamente a mesma representada no concreto armado sobre o plenário do Senado Federal. Uma daquelas duas famosas esculturas – no formato de bacias, uma com a boca virada para cima e a outra para baixo - que tornaram o monumento do Congresso Nacional conhecido no mundo inteiro.
Há outro exemplos de repetição dos belos e inabitáveis desenhos de Niemeyer pelo resto do Brasil e do planeta. Mas talvez seja isso a que chamam de estilo. Niemeyer é gênio e eu não entendo nada de arquitetura.
O catálogo do evento diz que setenta anos de inovação arquitetônica e surpresa inesgotáveis tornam o arquiteto o único brasileiro a ser lembrado no século XXX. O Brasil nunca teve muito do que se vangloriar mesmo.
Niemeyer é uma figura única. Daquelas que acabam sempre parecendo maiores que a sua própria obra, ainda que o que digam seja exatamente o contrário.
Brasília também é única e, apesar dos percalços de desigualdade que a modernidade suplantou à cidade perfeita, continua imperando como um verdadeiro museu de arquitetura ao ar livre. Isso ao menos na área ocupada pelo Planalto Central, uma ilha de fantasia rodeada de pobreza e violência.
Em uma entrevista à Playboy, há alguns meses, o colunista Diogo Mainardi disse que esteve apenas uma vez na cidade e achou tudo muito decadente. Esse é o ponto. Os belos desenhos de Niemeyer, vertidos à realidade em pleno cerrado, se deterioram e se esgotam com o tempo. Encardidas por fora, por dentro as construções são desconfortáveis, antiquadas e feias. Tudo muito decadente.
A imagem que ilustra a capa do catálogo é do Museu Nacional (foto), inaugurado recentemente no igualmente novo Conjunto Cultural da República. Diferentemente do que diz o texto, não há nada de inovador ali naquela construção. Sua forma, semelhante à de um capacete, é exatamente a mesma representada no concreto armado sobre o plenário do Senado Federal. Uma daquelas duas famosas esculturas – no formato de bacias, uma com a boca virada para cima e a outra para baixo - que tornaram o monumento do Congresso Nacional conhecido no mundo inteiro.
Há outro exemplos de repetição dos belos e inabitáveis desenhos de Niemeyer pelo resto do Brasil e do planeta. Mas talvez seja isso a que chamam de estilo. Niemeyer é gênio e eu não entendo nada de arquitetura.
A islandesa e o gigante sanguinário
Pequim é a sede da Olimpíada de 2008, que acontece em agosto. Logo, com a aproximação dos jogos, é natural que a mídia de todo o mundo esteja com os olhos voltados para a capital chinesa.
Também é natural que uma campanha piegas propague os costumes e as histórias traduzidas do mandarim para o resto do planeta. O que atormenta é saber que não haverá espaço em programas de variedades ou jornais e revistas para algum tipo de informação acerca da natureza ditatorial do regime chinês. Nem sobre os milhões de seres humanos que a mesma Pequim mantém em campos de trabalho.
Há algumas semanas o cineasta Steven Spielberg desistiu de dar assessoria a essa Olimpíada em protesto contra as políticas chinesas para o Sudão. O governo chinês garantiu que isso não atrapalhará o sucesso dos Jogos. Não mesmo.
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo há algumas semanas, João Pereira Coutinho avaliou que, para Spielberg, o problema não está na repressão interna que a China promove sobre dissidentes políticos ou minorias religiosas. Ou na ocupação do Tibete. Nem nos milhares de homens que o regime executa anualmente por "delito de opinião". Apenas no Sudão.
“Uma coisa é matar chineses, desporto que manifestamente não impressionou Spielberg quando ele aceitou a honraria oficial de embelezar os jogos. Outra coisa, bem mais grave, é matar os habitantes de Darfur”, avaliou o colunista.
Não haveria problema algum no protesto do cineasta se ele fosse apenas parte de uma manifestação conjunta. Essa seria a sua bandeira, portanto. A história só pareceu estranha porque o único protesto contra os jogos, que realmente ganhou a mídia, se voltou para algo muito pequeno diante da grandeza do violento regime chinês.
Na semana passada, a cantora Björk encerrou um show em Xangai com uma homenagem ao Tibete. O gesto da artista islandesa ganhou uma notícia de rodapé no jornal O Globo. No fim do espetáculo, ela adicionou gritos de “Tibete! Tibete!” à música Declare Independence. A atitude irritou o governo chinês que decidiu investigar, a partir de agora, a vida de todos os artistas que estão programados para tocar no país.
A China invadiu o Tibete em 1951 alegando laços históricos com o território. Hoje ela reprime com violência e autoritarismo qualquer tentativa de obtenção de maior autonomia. Assim como a China, o resto do mundo conhece muito pouco a Björk. Spielberg também é insignificante perto do portentoso gigante asiático.
Coutinho lembrou que a história da maldade humana está bem representada na história dos Jogos Olímpicos. Em outros tempos, eventos como os de Berlim, Munique ou Moscou não serviram para nada se não para esconder a natureza sinistra dos regimes políticos de seus países sede, lembrou o cronista.
Em seu site, Björk disse que gostaria de desejar a todos os indivíduos e nações boa sorte na sua batalha pela independência. O resto do mundo vai desejar sorte para os milhares de atletas durante as suas batalhas travadas nas arenas milionárias construídas em Pequim.
O sangue só vai ser derramado do lado de fora.
Também é natural que uma campanha piegas propague os costumes e as histórias traduzidas do mandarim para o resto do planeta. O que atormenta é saber que não haverá espaço em programas de variedades ou jornais e revistas para algum tipo de informação acerca da natureza ditatorial do regime chinês. Nem sobre os milhões de seres humanos que a mesma Pequim mantém em campos de trabalho.
Há algumas semanas o cineasta Steven Spielberg desistiu de dar assessoria a essa Olimpíada em protesto contra as políticas chinesas para o Sudão. O governo chinês garantiu que isso não atrapalhará o sucesso dos Jogos. Não mesmo.
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo há algumas semanas, João Pereira Coutinho avaliou que, para Spielberg, o problema não está na repressão interna que a China promove sobre dissidentes políticos ou minorias religiosas. Ou na ocupação do Tibete. Nem nos milhares de homens que o regime executa anualmente por "delito de opinião". Apenas no Sudão.
“Uma coisa é matar chineses, desporto que manifestamente não impressionou Spielberg quando ele aceitou a honraria oficial de embelezar os jogos. Outra coisa, bem mais grave, é matar os habitantes de Darfur”, avaliou o colunista.
Não haveria problema algum no protesto do cineasta se ele fosse apenas parte de uma manifestação conjunta. Essa seria a sua bandeira, portanto. A história só pareceu estranha porque o único protesto contra os jogos, que realmente ganhou a mídia, se voltou para algo muito pequeno diante da grandeza do violento regime chinês.
Na semana passada, a cantora Björk encerrou um show em Xangai com uma homenagem ao Tibete. O gesto da artista islandesa ganhou uma notícia de rodapé no jornal O Globo. No fim do espetáculo, ela adicionou gritos de “Tibete! Tibete!” à música Declare Independence. A atitude irritou o governo chinês que decidiu investigar, a partir de agora, a vida de todos os artistas que estão programados para tocar no país.
A China invadiu o Tibete em 1951 alegando laços históricos com o território. Hoje ela reprime com violência e autoritarismo qualquer tentativa de obtenção de maior autonomia. Assim como a China, o resto do mundo conhece muito pouco a Björk. Spielberg também é insignificante perto do portentoso gigante asiático.
Coutinho lembrou que a história da maldade humana está bem representada na história dos Jogos Olímpicos. Em outros tempos, eventos como os de Berlim, Munique ou Moscou não serviram para nada se não para esconder a natureza sinistra dos regimes políticos de seus países sede, lembrou o cronista.
Em seu site, Björk disse que gostaria de desejar a todos os indivíduos e nações boa sorte na sua batalha pela independência. O resto do mundo vai desejar sorte para os milhares de atletas durante as suas batalhas travadas nas arenas milionárias construídas em Pequim.
O sangue só vai ser derramado do lado de fora.
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