Elephant Gun. Com seus quase seis minutos de duração, a música do grupo americano Beirut foi, de longe, a melhor revelação de Capitu, a microssérie baseada em Dom Casmurro exibida pela Globo na semana passada. A canção tem pouco mais de dez versos. Traduzido, um de seus trechos diz mais ou menos assim: Se eu fosse jovem, eu fugiria desta cidade. Enterraria meus sonhos no subsolo.
Há cerca de um ano, o Zeca Camargo inclui The Flying Club Cup, segundo álbum do Beirut, na lista dos “12 melhores discos que você não ouviu no ano de 2007”. “Meio melancólico, é verdade. Mas que beleza de melancolia…”, ele escreveu. Elephant Gun não está no álbum, mas também é uma beleza de melancolia. Ela é do EP Lon Gisland, também de 2007.
Elephant Gun é o nome de uma arma de calibre largo, originalmente fabricada para caçar elefantes e animais perigosos. Elephant Gun, a música, embalou os exageros de Capitu e Bentinho na aguardada microssérie dirigida por Luiz Fernando Carvalho.
O Diogo Mainardi disse que Capitu teve um aspecto circense. Para mim, o Bentinho de Luiz Fernando Carvalho é a cara de um personagem do espetáculo Alegría, do Cirque du Soleil. Para o Mainardi, ele é o Dick Vigarista, do desenho animado Corrida Maluca. Eu não sei quem é Dick Vigarista, mas deve ser alguém corcunda, de gestos, figurino e maquiagem exagerados.
Mainardi chama a linguagem de Luiz Fernando Carvalho de grotesca, afetada, espalhafatosa, cheia de contorcionismos e de malabarismos. Diz que Machado de Assis é o oposto. “No livro Dom Casmurro, o relato de Bentinho é espantosamente seco e desencantado”, escreveu. Eu só vi três dos cinco capítulos de Capitu, mas concordo com Mainardi.
Com uma linguagem inclassificável até para os padrões de seu diretor, Capitu é uma mistura de ópera e circo. Em alguns momentos - como na divisão da narrativa em capítulos e nas cenas passadas em cenários imaginários - carrega referências do filme Dogville, de Lars Von Trier. Em outros, bebe na fonte de Sofia Coppola e seu Maria Antonieta. No chato e pretensioso trabalho da diretora, um tênis All Star divide o guarda-roupa com sapatos do século XVIII e os modernos Strokes embalam os devaneios da princesa austríaca na corte de Versalles. No devaneio de Luiz Fernando Carvalho, Dona Gloria se veste ao som de God Save the Queen, dos Sex Pistols, e Capitu e Bentinho dançam valsa com fones de ouvido brancos. Isso para ficar em poucos traços da liberdade poética – e põe liberdade nisso! – que o diretor despendeu em seu novo trabalho.
Luiz Fernando Carvalho está para a televisão assim como Marcelo Camelo está para a música popular brasileira. Os dois têm mais em comum do que podem supor. Afora a barba cuidadosamente desgrenhada, ambos nutrem uma predileção pelo apelo a recursos pretenciosamente intelectuais em suas respectivas áreas de atuação. Também dividem a preferência por mulheres ligeiramente mais jovens. Camelo – 30 anos na identidade, 45 na aparência - assumiu namoro com Mallu Magalhães – 16. Carvalho – 48 -, dizem, se encantou – além dos sets de gravação - pelos olhos de cigana oblíqua e dissimulada de Letícia Persiles – 25 -, a bela, desconhecida e impecável intérprete de Capitu na primeira fase da microssérie.
Entre outros trabalhos, Carvalho também dirigiu as séries Hoje É Dia de Maria, A Pedra do Reino e Os Maias. No cinema, fez Lavoura Arcaica. Seu filme é, de longe, magnífico e único no cinema brasileiro. Com um pouco mais de humildade e com 20 ou 30 minutos a menos, ele também teria sido visto e entendido por mais pessoas. O que talvez não esteja nos planos do majestoso e incompreensível espetáculo do diretor.